Em frente à minha casa em Torre e Cercas, o meu pai
tinha construído algumas pocilgas onde era feita a criação de suínos.
Foto da Net: Pocilga e os seus habitantes, com o intruso à espera de roubar alguma comida |
Havia sempre um "barrasco" e uma ou duas "porcas
criadeiras", estes 3 suínos tinham mais sorte do que os filhos que iam
nascendo das várias criações ao longo do ano. Depois do nascimento e ao fim de
um ou dois meses eram separados 2 ou 3 animais que eram colocados numa pocilga
à parte, os outros iam sendo encaminhados para os vários mercados que se faziam
no concelho de Silves e aí eram vendidos. Com parte do dinheiro que era conseguido
com a venda, era encaminhada para a compra de alguns alimentos (tremoços,
milho, farelos, etc...), para a engorda dos suínos que tinham sido separados.
Era a vida dos "felizardos", tinham de facto uma "vida de
porco" como se costumava dizer.
Foto da Net: Criação de suínos |
A engorda
durava alguns meses, lembro-me que já na parte final, os animais alimentavam-se
deitados, devido ao peso que atingiam e deslocavam-se com dificuldade, até que
chegava o dia em que estavam prontos para a festa.
Acertava-se o dia
da matança, depois de se certificar que o "matador" estava
disponível. Não posso afirmar, mas seria o pai do Zé Joaquim Simões, que fazia
esse trabalho, não seria o único, mas ali na charneca ele tinha credenciais de
artista nesta arte.
Na primeira fase fazia-me uma grande impressão os grunhidos aflitivos do porco, afastava-me do local e tapava os ouvidos. Gostava, no entanto, de todo aquele ambiente que rodeava este evento, porque dum evento se tratava: desde ir apanhar tojos na charneca para chamuscar o porco depois de morto, aqui eu já assistia; as telhas para raspar os pelos; abrir e separar os "miúdos" para a moleja; pôr o vinagre no sangue para não coalhar; tirar as tripas que as mulheres iam limpar e lavar na ribeira, para depois fazer as chouriças; as banhas que eram fritas para fazer o que chamávamos a manteiga de porco; as partes fritas que sobravam (torresmos), os lombinhos que eram escaldados e metidos no interior das manteiga de porco.
Na primeira fase fazia-me uma grande impressão os grunhidos aflitivos do porco, afastava-me do local e tapava os ouvidos. Gostava, no entanto, de todo aquele ambiente que rodeava este evento, porque dum evento se tratava: desde ir apanhar tojos na charneca para chamuscar o porco depois de morto, aqui eu já assistia; as telhas para raspar os pelos; abrir e separar os "miúdos" para a moleja; pôr o vinagre no sangue para não coalhar; tirar as tripas que as mulheres iam limpar e lavar na ribeira, para depois fazer as chouriças; as banhas que eram fritas para fazer o que chamávamos a manteiga de porco; as partes fritas que sobravam (torresmos), os lombinhos que eram escaldados e metidos no interior das manteiga de porco.
Foto da Net: O porco já morto |
Sobravam os
toucinhos, as orelhas e as mãos para fazer as feijoadas ou jantares de grão. As
outras partes ficavam penduradas ao ar livre, para sair humidade e serem
tratados nos dias seguintes, na salgadeira, donde saíam os toucinhos, as
manetas, os presuntos e as costeletas.
As mulheres faziam
um picado com as barrigas e aquelas partes mais magras, que eram temperadas com
especiarias e ficava mais ou menos uns 15 dias a tomar o gosto; depois de cheias
as tripas com esse picado, tínhamos as
chouriças, que depois de escaldadas eram postas ao fumeiro. Quando se escaldavam
saía à superfície uma gordura que íamos tirando com uma colher, depois de coalhada, ficava a manteiga de chouriço.
O convívio, que
se seguia à matança do porco, designava-se
por moleja, onde participavam todos os vizinhos e onde eram confecionados os
"miúdos" (coração, fígado (cachola), rins, bofe e sangue), durava
todo o fim de semana, onde não podemos esquecer os garrafões de vinho tinto,
que nós só víamos, e também, o fado à desgarrada, cantado pelos participantes,
depois de bem "comidos" e bem "bebidos", até de madrugada. Por vezes, ainda, era distribuídos alguns nacos de
carne fresca, aos vizinhos, que por qualquer razão, não tinham
participado na festa.
F.
Santos - Memórias de infância
8 de maio de 2018
Uma bonita reportagem a guardar para contar a filhos e netos que não nasceram naquele ambiente e que hoje já não podem acompanhar tendo em conta a proibição das pocilgas junto das habitações.
ResponderEliminarEu era a heroína desta matança uma vez que as minhas irmãs se metiam no quarto com a cabeça debaixo dos cobertores para não ouvirem o grunhido do animal, aparando o tacho de cobre para aparar o sangue.
É sem dúvida um cenário arrepiante visto hoje aos olhos do PAN e dos defensores dos animais , mas faz parte da cadeia alimentar.
Obrigada pela partilha
Constança