5 baixas no espaço de 4 dias
Depois do Dange,
passámos alguns meses no Grafanil, em Luanda, tínhamos como missão: serviço á
"rede de Luanda", que incluía o controlo de pessoas e viaturas que
entravam e saíam da cidade, escoltas ao comboio de Catete, patrulhamento do
Cazenga, Central Elétrica, Cuca e Nocal, entre outros locais,
missões que não apresentavam grande perigo. Entretanto e como Companhia de
Intervenção, foi-nos destinada uma missão de cerca de 1 mês em Nambuangongo,
região famosa, naquela altura, pela presença e ataques do inimigo.
Por estranho
que pareça, não tivemos problemas de maior com a "guerrilha"
nesta zona de Angola. O MPLA, movimento que operava nesta região, por aquilo
que presenciamos, não apareceu, por estratégia, por respeito ou porque a nossa
missão ali era mais de proteção a obras na picada. Mas Nambuamgongo era como o
Manuel Alegre conta no poema "Nambuangongo, meu Amor".
Em
Nambuangongo, ficamos alojados num retângulo com a configuração dum campo
de futebol, a meio da encosta, com tendas nas partes laterais. A cozinha
situava-se ao fundo, a poente, na ala central.
Espaço onde estavam instaladas as várias unidades
militares
A Companhia de Caçadores
2505 acampou naquele retângulo à direita da foto
No dia 4
de julho de 1970, o soldado atirador Hotêncio da Graça Bernardo, do 3º pelotão,
esteve toda a tarde junto da cozinha e sem que ninguém lhe tivesse pedido,
pegou num machado, rachou toda a lenha que lá existia, ouvindo piropos, aqui e
ali, tais como “oh Bernardo deixa alguma lenha para amanhã” ou ainda “oh
Bernardo o mundo não acaba hoje”. Nessa mesma tarde, já ao fim do dia, ao
passar pelo soldado atirador, Armando Santos, também do 3º pelotão, já
preparado para a saída numa coluna, pedi-lhe que me levasse algumas cartas que
tinha escrito, para colocar no marco de correio que ficava no local onde se
encontravam as viaturas destinadas a saída para a missão, o que ele fez com um
sorriso.
Uma das nossas viaturas, Berliet Tramagal, não estava em condições de fazer esta missão, então, a companhia que estava em Nambuongongo, cedeu-nos uma Berliet e o respetivo condutor. Foi nessa viatura que seguiam estes camaradas, do 3º pelotão. A "picada" tinha sido ampliada, nas bermas ficaram terras soltas e a viatura ao passar com o rodado por cima duma dessas bermas, despenhou-se pela encosta a baixo, cuspindo e passando por cima dos militares que nela seguiam, ao longo da ravina, até chegar ao vale. Os dois soldados referidos, anteriormente, foram atingidos pela viatura, o Armando Santos teve morte imediata, o Hortêncio Bernardo, ainda resistiu algum tempo, vindo a falecer na igreja de Nambuangongo às 5 horas da madrugada do dia seguinte, 5 de julho de 1970, em grande sofrimento. Faleceram também neste acidente o condutor da viatura que pertencia à outra companhia e o soldado Alberto Casacente, natural de Malange, Angola, do recrutamento local, mas que também fazia parte dos efetivos da nossa companhia. Neste acidente faleceram 4 militares.
Em
Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo
Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre.
Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.
É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exactamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo
Hortêncio Bernardo é o primeiro da direita ao meu lado
Armando Santos está sentado
na viatura ao centro do lado esquerdo
Uma das nossas viaturas, Berliet Tramagal, não estava em condições de fazer esta missão, então, a companhia que estava em Nambuongongo, cedeu-nos uma Berliet e o respetivo condutor. Foi nessa viatura que seguiam estes camaradas, do 3º pelotão. A "picada" tinha sido ampliada, nas bermas ficaram terras soltas e a viatura ao passar com o rodado por cima duma dessas bermas, despenhou-se pela encosta a baixo, cuspindo e passando por cima dos militares que nela seguiam, ao longo da ravina, até chegar ao vale. Os dois soldados referidos, anteriormente, foram atingidos pela viatura, o Armando Santos teve morte imediata, o Hortêncio Bernardo, ainda resistiu algum tempo, vindo a falecer na igreja de Nambuangongo às 5 horas da madrugada do dia seguinte, 5 de julho de 1970, em grande sofrimento. Faleceram também neste acidente o condutor da viatura que pertencia à outra companhia e o soldado Alberto Casacente, natural de Malange, Angola, do recrutamento local, mas que também fazia parte dos efetivos da nossa companhia. Neste acidente faleceram 4 militares.
Foto de Joaquim Santos:
Berliet que capotou neste acidente
(difícil reconhecer aquilo
como uma viatura)
Igreja
de Nambuangongo - local onde estiveram os nossos camaradas falecidos
O azar já era
muito e os estragos na moral eram ainda maiores, mas como um azar nunca vem só,
ainda não nos tínhamos refeito desta tragédia, quando fomos surpreendidos por
novo acontecimento. Foi no dia 7 de julho de 1970, portanto três dias depois.
Na proteção aos trabalhos, na abertura duma "picada", o soldado
atirador João dos Santos Correia, estava sentado junto duma árvore, lia ou
escrevia uma carta, a alguma distância operava uma máquina da engenharia que
derrubava árvores abrindo caminho. A máquina ao derrubar uma dessas árvores, a
mesma caiu na zona onde se encontrava o Correia, atingiu-o com galho,
perfurando-lhe a cabeça, o que lhe provocou morte imediata.
Conheci bem o
Bernardo, pastor da Serra da Estrela, no concelho de Gouveia. Não sabia ler nem
escrever, pedia-nos para lhe lermos e escrevermos as cartas que recebia e
enviava para a terra. O Armando Santos era um bom camarada, sensível, leal e
honesto, de trato simples e afável. Não conheci com a mesma proximidade, o João
dos Santos Correia, soube que tinha um irmão gémeo, que estava a cumprir
serviço militar em Angola, noutra companhia, tendo regressado a Portugal.
Esta tragédia
foi na altura um grande pesadelo, perdemos mais 5 camaradas de armas, para
afogar todo este sofrimento esgotamos a aguardente existente nos bares das
companhias ali estacionadas.
Quero prestar,
aqui, uma sentida homenagem a estes cinco companheiros, que nos deixaram,
cedo demais. Aos familiares deixo um profundo sentimento de dor e solidariedade
e afirmar-lhes quanto os seus entes nos eram queridos.
F. Santos -
Memórias de Angola
14 de janeiro
de 2018
Poema de Manuel
Alegre:
"Nambuangongo
Meu Amor"
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo
Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre.
Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.
É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exactamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo
Gostei de ler. Andei por lá em 1972 e 1973.
ResponderEliminaro Batalhão era o 3869?
EliminarEu como estive lá (Nambuangongo) de outubro 72 a junho 73 a comandar os GE's, por isso pergunto.
Furmil Alberto Vasconcelos.
Também falo um pouco sobre a nossa passagem por Nambuangongo no blog c-cac-3482.blogspot.com.
ResponderEliminarObrigado por este registo. É vital que se preservem estas e outras memórias na maior quantidade possível. Uma vez idas as pessoas, podem ficar os documentos oficiais para os historiadores do futuro, mas o verdadeiro sumo é mesmo este.
ResponderEliminarEstive em NAMBUANGONGO em 1962 Fazendo parte da 4ª COMPANHIA de CAÇADORES ESPECIAIS ( Vejam no Facebook ) onde terminamos a nossa comissão de serviço em ANGOLA 1960 a 1962! O canhão que está ou estava foi uma Homenagem da 4 C C Especiais ao Batalhão 96. 1 grande abraço a todos que por lá passaram.
ResponderEliminarUm abraço companheiro!
EliminarO meu batalhão. 1854 foram 27
ResponderEliminarApenas passei com os meus camaradas do BCAÇ5015/73. Estava pacificada. Nada aconteceu em todas as viagens. Apenas conhecíamos que tinha sido muito doloroso para os camaradas que estiveram antes de nós. Nunca usei a palavra (sorte), hoje, já velho, penso que tive sorte por estar aqui a ler o que os meus camaradas não podem ler. Obrigado camaradas de guerra.
ResponderEliminarSempre que se fala ou vejo imagens de Nambuangongo e da sua igreja, não posso evitar a lembrança do acto Heróico do sargento (ou furriel?) José Paulo dos Santos, sepultado ao lado de outros camaradas junto a esta mesma igreja, do lado direito. Será que ainda lá permanece?
ResponderEliminarEstive em Nambuangongo 67 / 69 Batalhão de Cavalaria 1927 com.cav 1774
ResponderEliminarBoa noite, aprecio as suas crónicas, eu não estive em Áfrico, sou do tempo da India. Tenho-me dedicado ao estudo das Comunicações da Guerra Colonial. Tem ou sabe de algo sobra as comunicações (tipos de rádios utilizados, telefones., etc) que me possa elucidar. Cumprimentos- Luiz Fernando
ResponderEliminarCaro colega quando isso aconteceu eu fazia parte da Companhia de artilharia 2644, estacionada em Nambuangongo, como radiotelegrafista dessa companhia BART 2900. O condutor da Berlliet era meu camarada chamado Joaquim Grazina Marques eu estava no aquartelamento, quando isso aconteceu. aos familiares deixo as minhas sinceras condolências, obrigado por esta lembrança.
ResponderEliminarAinda bem que o camarada comentou, confirmando o trágico acidente. Há muitos camaradas que acham que fazemos ficção, mas estas coisas nunca nos saem da cabeça. Eu passei a escrevê-las para que fique registado. O nossa camarada, que pertencia a vossa companhia, teve a fatalidade de a nossa berliet estar avariada. Mas estas coisas são assim mesmo, acontecem, nunca ficamos a saber se as coisas não tivessem acontecido assim. Nesse acidente tivemos 4 mortos. Eu perdi 2 grandes amigos. Um abraço de amizade e ainda bem que cá andamos para testemunhar estas lembranças...
EliminarTambém passei por essa zona Nambuangongo, no ano 1964.Mabubas, Beira Baixa e depois fui até Quipedro onde acabei a missão em Dezembro 1965.Embarquei para o puto, no dia 24/12/65 a bordo do Vera Cruz. Já passou, mas os nossos governantes não dão grande importância.Já existem poucos ex-combatentes, mas quando chegar a esmola nem para a cera no dia do funeral.Somos fortes..........
EliminarExatamente como aconteceu como disse o meu camarada Juvenal Araújo CART. 2644 BART. 2900 eu ia nessa coluna quando a Berlie enfiou pela rampa abaixo era uma mata de café mas as verdades teem que ser ditas independentemente das mortes que houve o condutor da 2644 GRAZINA ia com umas boas cervejas no papo mas era um camarada duro sempre pronto para o que desse e viesse ele nesse dia não havia de ter ido naquela missão mas como ele era teimoso e depois aconteceu o que aconteceu se teve influência ou não cada um que tire as conclusões mas como estas mortes outras também foram infelizmente por descuido e negligência da nossa parte quem andou por lá sabe bem que morreu muitos camaradas dessa maneira assim como na minha companhia por descuido também um camarada foi morto com um tiro vindo de outra caserna e furou a minha e o meu camarada AMERICO BARBOSA de Aliados Lordelo.Norte do país DEITADO na cama ao começo da noite por um camarada ter mexido no gatilho inadvertidamente enfim apenas mais um testemunho lamentável que só sai das nossas cabeças com a nossa morte isto foi em Nambuangongo abraço a todos os ex.combatentes
EliminarSo fui Nambuangongo uma vez em 1970 e para fazer uma operação ao longo do rio Onzo.Foram varios dias.Fomos recolhidos por helicopteros e regressamos a Quicabo(felizmente sem baixas).
ResponderEliminarEstive nessa zona de 28 de janeiro de 1969 até março de 1970, mais propriamente no Quixico que fica a 30 km de Nambuangongo, lá ficou uma companhia mais a CCS, uma companhia ficou na Beira Baixa e nós fomos para o Quixico. O batalhão era o 2859
ResponderEliminara minha companhia era 2460, Quixico era uma fazenda de café com aproximadamente 750 trabalhadores, mais mulheres e filhos rondava os duas mil pessoas que tínhamos que guardar, refizemos muitas picadas pois as antigas estavam improprias para transitar, demorávamos duas horas para fazer os 30 km tivemos duas baixas uma logo no primeiro dia da chegada a outra foi numa operação estou a escrever um livro e anoto todos os pormenores que lá passei, eu era soldado condutor, depois de Nambuangongo fomos para a zona de Malange, Marimba. Um abraço para todos os camaradas.
Fiz parte da 4ªCompanhia de Caçadores Especiais- Em Março de 1961 estive em MALANGE na Baixa de Caçanje e em 1962 estivemos em Nambuangongo e arredores .Um abraço a todos que por ANGOLA passaram.
EliminarBAT.1898 - C.CAÇ.1628 - Quixico 1966 - Foi duro. Estivemos na construção do acampamento da Madureira, foi um inferno.
ResponderEliminarEu estive em Quimaria e no Totó, Ambriz, Anbrizete, Sumba e Santo Antônio do Zaire éramos uma companhia Angolana ligada a Batalhões vindos de Portugal 🇵🇹, nunca tivemos baixas em combate
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