terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Incidente que poderia ter comprometido o regresso do Vagomestre

Mutamba 1970

O Largo da Mutamba, Praça de onde saíam e chegavam todos os transportes de passageiros que serviam a cidade de Luanda, situava-se no centro da cidade.

Nesse Largo, todos os dias, um polícia sinaleiro, em cima dum palanco, dirigia o trânsito que circulava naquele local, e, protegia-se do sol que se fazia sentir nas tórridas tardes africanas, com um sombreiro enorme.

Sinaleiro na Mutamba sem sombreiro, o sol estava a nascente

A troca de funções operada no Dange não tinha dado os resultados esperados e fracassou. Tínhamos regressado às antigas funções de vagomestre, e foi nessas funções que nos deslocámos à Manutenção Militar, para requisitar mantimentos, para alimentar os efetivos da CCaç. 2505, que iriam atuar durante cerca dum mês, em Nambuangongo, como companhia de intervenção.

Possuíamos livres trânsitos para frequentar os salões das fábricas de cerveja da Cuca e Nocal, benesse derivada das funções que então desempenhávamos, e, no usufruto dessas facilidades, não nos contentamos em visitar apenas uma, mas sim as duas, já que o consumo era oferta da casa e não tinha limite. Depois de bem aviados, com grandes doses de líquido ingeridas, saímos e ocupamos os nossos lugares na Berliet, transporte que utilizávamos para nos deslocarmos e transportar os mantimentos.

Berliet Tramagal: viatura de transporte militar na guerra colonial

Não sei porquê, em má hora, decidimos fazer um raide pela baixa de Luanda. Ao passarmos pela Mutamba, porque o sombreiro do sinaleiro estava virado a poente para tapar o sol, inclinado para dentro da estrada onde seguíamos, mas também porque o retrovisor da Berliet estava um pouco saído, ou ainda porque o condutor não conseguiu medir bem distância a que se encontrava do sombreiro, certamente por não se ter poupado no consumo do precioso liquido, com a visão um pouco toldada, não conseguiu evitar a colisão violenta do retrovisor contra o sombreiro, em consequência de tudo isto, o sinaleiro rodopiou em cima do palanco, estatelando-se no chão.
 
Atrás, da esquerda para a direita, Gabriel
Feijó e F Santos, em baixo, Lourenço
Nasceu aqui uma grande complicação, principalmente, para o regressado vagomestre, que chefiava esta missão: porque o polícia, que era angolano, dizia que o tínhamos atingido de propósito; que o queríamos matar. Depois de muito dialogarmos, acabamos por convencer o homem que tinha sido apenas um acidente e despedimo-nos amigavelmente.

Foi assim que ficou resolvido este incidente, que poderia ter comprometido o regresso do vagomestre às suas funções.

F. Santos - Memórias de Angola 
sábado, 20 de julho de 2013


Comentários na publicação original na C. Caç. 2505

COMPANHIA DE CAÇADORES 2505,20 de julho de 2013 às 20:52 (João Merca)

Pois meu Caro!
Convivemos bastante, principalmente no Lunguébungo, mas não me lembro que me tenhas contado este episódio. Gostava de na altura estar presente. Pessoal com a "copaneira", cheios de Cucas e Nocais, com a voz muito lenta e arrastada, a tentar acalmar o muito desconfiado sinaleiro.
A cena do palanco a rodopiar, depois do encosto da berliet, o sinaleiro a ser cuspido, até me fez lembrar, uma antiga animação, só que desta vez o " Tomy and Jerry" não puderam fugir.
Abraço

Fernando Santos,21 de julho de 2013 às 14:36
Este é um testemunho de 1970, onde se vê que a Guerra Colonial não tinha só coisas más, se fossemos civis tínhamos ido parar ao Governo Civil..., assim conseguimos sair sem grandes complicações, dado a nossa condição de superior em relação ao sinaleiro.
O comando militar nunca ficou ao corrente destas e de outras situações.
Vou referir-me aqui ao comentário anterior: cito o companheiro e amigo Merca "Convivemos bastante, principalmente no Lunguébungo, mas não me lembro que me tenhas contado este episódio...", nessa altura estávamos de partida para Nambuangongo e tivemos durante a nossa permanência naquele local acontecimentos trágicos, depois foste de férias quando estivemos, durante pouco tempo, no Zenza... de seguida rumamos ao Leste. Aí como sabes houve outros problemas maiores, provavelmente os temas das conversas tenham sido outros.
Este também foi um assunto que ficou encerrado no próprio dia quando regressamos ao Grafanil.
Um abraço com muita amizade!
FS.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

O petisco que saiu caro!

1º Reis e Furriel Santos


Terminada a comissão e feita a passagem de testemunho ao Vagomestre da companhia que nos veio render, como tínhamos alguns assuntos oficiais a resolver em Luanda, regressamos mais cedo na companhia do 1º Reis.

Despedimo-nos do Lungué-Bungo, passamos pelo Luso, onde com alguma dificuldade, conseguimos, nós e o 1º Reis, viagem num Noratlas, rumo a Luanda.

A viagem foi turbulenta, com vários poços de ar no percurso, que provocavam quedas livres do avião, as cadeiras de lona também não eram muito confortáveis, mas lá conseguimos chegar, aterrando a salvo, no aeroporto de Luanda.

Noratlas -Força Aérea Portuguesa

Chegados a Luanda, instalámo-nos numa residencial próxima da baixa, e por lá fomos ficando alguns dias, até que numa manhã, dum dia que tínhamos decidido não trabalhar, passámos pela baixa, parámos num quiosque que ficava no largo em frente aos Correios, bebíamos umas cervejas e comíamos uns camarões pequenos, que sempre eram servidos como acompanhamento.

Correios Centrais de Luanda

Foi neste momento que o 1º Reis teve uma ideia espetacular, um conterrâneo que estava radicado em Luanda, da sua geração, era proprietário dum café muito próximo da residencial onde estávamos hospedados, voltou-se para nós e disse: “Ó Santos, tenho aqui um conterrâneo que tem um café, chama-se também Fernando..., vamos sacar-lhe umas cervejas e um presuntinho lá da terra". Concordámos de imediato e pusemo-nos a caminho.

Chegados ao café, feitas as apresentações, sentámo-nos, pedimos duas cervejas, entra de novo em cena o 1º Reis: “Ó Fernando, bebe aqui uma cervejinha connosco!”, o dono do café acedeu prontamente, sentando-se na nossa mesa, bebíamos e conversávamos, relembravam coisas da terra, quando o 1º Reis voltou à carga: “não tens aí uns pratinhos de presunto, uns queijinhos… qualquer coisa para acompanhar?”, o Fernando do café, de imediato, deu ordens ao empregado para preparar os petiscos.

Passámos várias horas, bebendo, comendo, conversando…, repetindo a dose várias vezes, até que já bem fornecidos, levantámo-nos, e quando nos preparávamos para abandonar o café e regressar à residencial, na saída, diz o Fernando do café para o 1º Reis: “Ó Fernando, ainda não pagaste a conta!”, era uma conta bem gorda…, desculpámo-nos do esquecimento e não tivemos outro remédio senão pagar.

Em consequência as nossas finanças ficaram em baixo, e tivemos de tomar uma medida imediata, mudarmo-nos da residencial para a Messe de Sargentos, que ficava mais longe da Baixa, mas sem custos.

Edifício da Messe de Sargentos de Luanda

Seguiram-se outras medidas, mas estas serão tema de outro testemunho…

F. Santos - Memórias de Angola 
sexta-feira, 12 de julho de 2013