terça-feira, 1 de outubro de 2019

Um professor faz uma grave ameaça, a um aluno, na EIC de Silves

Estávamos nos anos 60, outros tempos, outras vontades

 O Carlos Vitoriano, 3º a contar da esquerda, entre o Eduardo Coelho da Silva e o José Mealha Cabrita.
Estão ainda na foto: Zé Medronho, Fernando Santos (Agostinho) Zé Assis (Charita) e Aníbal Caetano

Numa das aulas do professor “Razalas Júnior”, o Carlos Vitoriano terá feito um comentário, que passado todo este tempo, mais de 50 anos (estaríamos, talvez, no ano letivo 1962/63), não me recordo sobre o que terá sido, mas para o professor, não passou em claro. Lembro-me apenas de ver o professor enfurecido, gritando e já com alguma falta de ar, ameaçar o Carlos em jeito de pergunta (esta passagem fixei claramente): “vê lá se queres ir para onde está o teu pai?”. Esta ameaça poderia não ser muito grave, se não fosse o pai do Carlos, o José Vitoriano, que se encontrava detido (talvez no Aljube, Caxias ou Peniche, onde passou 17 anos da sua vida), por delito de opinião, “conspirar” contra o regime, como dirigente sindical, dirigente de várias coletividades e militância política.
 
No intervalo, entre as aulas, o Carlos, rodeado por colegas da turma, não se conteve, tendo mesmo chorado, ali no jardim, em frente à porta principal da nossa escola. Quem o confortou foi o Eduardo Coelho da Silva, a quem presto aqui, também, uma homenagem.


 
No dia da inauguração do busto de José Vitoriano na cidade de Silves.
Ladeado pela presidente da Câmara Municipal de Silves e o Carlos Vitoriano

Do José Vitoriano podemos encontrar muitos textos sobre o seu percurso de vida.

O que interessa aqui é o que eu conhecia nessa altura do pai do Carlos
O José Vitoriano nasceu em Torre e Cercas, no concelho de Silves (por sinal na mesma zona de onde eu era natural), a 30 de dezembro de 1917. A minha mãe, operária corticeira, também ela originária de Torre e Cercas, conhecia muito bem o José Vitoriano. Por volta de 1934, era ela aprendiz de escolhedora na “Fábrica de cortiça do José António Duarte”, ainda muito jovem, teria 13 ou 14 anos. O Vitoriano, com 17 ou 18 anos, tinha sido, nessa ocasião, promovido a chefe da secção de escolha, onde a minha mãe aprendia essa arte (a escolha consistia em dividir as rolhas da 1ª à 4ª classe. Havia também o refugo (o refugo, eram as rolhas sem qualidade, que se separava e eram utilizadas para outros fins). Com a falência da fábrica, a minha mãe foi admitida na “Fábrica do Inglês” como muitos dos colegas operários, que também passaram para essa fábrica. O José Vitoriano, ganhou a simpatia e o respeito de todos os operários corticeiros. Foi, sem surpresa, eleito presidente do sindicato dos corticeiros, furando o que vigorava na altura: os sindicatos corporativos, organismos que eram extensões das organizações dos patrões. Os operários nunca o esqueceram, adoravam-no. Vem daqui o meu conhecimento, nesse tempo de escola, quem era o pai do Carlos.

Uma adaptação do texto do jornal “Terra Ruiva”
“Entrou para fábrica de cortiça de José António Duarte. Como todos os rapazes, nessa época, para o “tráfego”, que em linguagem da fábrica era o “estrafego”, composto de muitos serviços que eram feitos por miúdos. O trabalho na cidade deu-lhe a conhecer um mundo que adivinhava, mas desconhecia, o da oposição operária ao regime.

Perante a sagacidade e destreza, o patrão foi-o promovendo, até o colocar num armazém como responsável por um grupo de jovens aprendizes de escolha de rolhas, a quem deveria vigiar e controlar a produção. “Aqui foi o fim” e, aos 18 anos, foi despedido.”

Esta é uma memória um pouco diferente das que venho publicando, mas tinha de fazer esta homenagem a um amigo, o Carlos Vitoriano, que não vejo desde 1965. Soube que ele próprio se exilou no leste da Europa, onde fez os estudos superiores, tendo vindo, depois do 25 de Abril, para Portugal. Informações recentes, dão conta que se encontra no concelho de Santiago do Cacém, reformado, tendo feito a sua vida profissional ao serviço da Câmara Municipal de Santiago do Cacém.

F. Santos – Memórias da Juventude
01 de outubro de 2019