terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A partida e outras histórias

Paquete Uíje na partida do Batalhão de Caçadores 2872, a 8 de maio de 1969

Charneca de Torres e Cercas, na freguesia e concelho de Silves, terra onde nasci, decorria o mês de agosto de 1947, precisamente no dia 25. Aí permaneci até aos onze anos, frequentei neste período, o posto escolar da Fonte Figueira, que distava da minha casa cerca de 4 Km, distância que fazia a pé, ida e volta, de segunda a sexta-feira.

Aos onze anos fiz o exame de admissão à Escola Industrial e Comercial de Silves, com aproveitamento. Os meus pais, matricularam-me naquela escola, nesse ano, no 1º ano do ciclo preparatório. Para me facilitar a vida, fixaram residência numa aldeia que fica entre a beira serra e o castelo de Silves. Ali conheci muitos amigos, entre eles, o Abel Santos, com quem partilhei muitas brincadeiras.

Casa onde morei no Monte Branco - Silves

No dia 4 de maio de 1969, domingo, estive com este amigo num baile do "marroquino", naquela aldeia, nesta ocasião, falámos da tropa e de muitas outras coisas. Contei-lhe na altura que estava mobilizado para Angola e que partia na quinta-feira seguinte, ele disse-me que ia para Moçambique, mas não sabia quando partia para aquela província.

No dia 7 de maio de 1969, embarquei na estação de Silves, no comboio com destino ao norte, fiz alguns transbordos até chegar ao apeadeiro de Santa Margarida, no concelho de Abrantes, onde cheguei na madrugada do dia 8 de maio de 1969. Ali aguardava-me o comboio, que me levaria até Lisboa, para embarcar no paquete Uíge.

O Abel estava, naquele  dia, no cais da Rocha de Conde de Óbidos, local de partida com destino a Angola. Viagem atribulada: começou com enjoos e o cambalear pelo barco como se estivéssemos com uma bebedeira; ao fim de alguns dias passou e entramos na normalidade; os graduados tinham no navio instalações aceitáveis (bar, salão de refeições e camarotes que os furriéis, no meio caso, dividiam com outro camarada); as das praças já não posso dizer o mesmo; desloquei-me, ao porão do navio, num dia em que estava de serviço de sargento dia, onde se amontoavam estes militares, em condições deploráveis, para não dizer outra coisa. Em consequência destas condições, havia muitos soldados que levavam os colchões para convés, colchões, que para o final da viagem, não regressavam ao local de origem, pois eram atirados ao mar, criando alguns problemas, porque a nossa viagem demorou mais tempo do que o habitual (presume que com uma avaria nos motores do navio), 13 dias em vez de 8. Finalmente, chegámos no dia 21 de maio de 1969, ao porto de Luanda.

Tenho apenas uma foto do interior do barco no salão de refeições.

Salão de refeições de graduados no Uíge - F. Santos ao centro

Ao pisarmos terra firme em Luanda, voltamos a cambalear, não sabia que isso poderia acontecer depois duma longa viagem de barco. Fomos levados para o Grafanil, pernoitamos debaixo duns telheiros que tinham umas estruturas de cimento com mais ou menos um metro de altura. Dormimos em cima dessa estrutura, nessa noite, antes de seguirmos para as instalações reservadas ao batalhão.

Cidade de Luanda, anos 1969/1971

No dia 23 de maio de 1969, sábado, como a maioria dos militares, os sargentos (onde se incluíam os furriéis) e oficiais, rumei à cidade de Luanda, no machibombo militar (autocarro),  as praças eram transportadas em berliets ou de boleia, jantei num restaurante de Luanda (não me lembro se na Floresta se no Polo Norte), ao entrar na esplanada da "Cervejaria Portugália"(ponto de encontro de muitos militares portugueses), ao passar por uma mesa, senti uma mão a agarrar-me o braço, era o Abel, 1º cabo especialista da Força Aérea Portuguesa! Perguntei-lhe se o destino dele tinha mudado para Angola, disse-me que não, que estava ali em trânsito, tinha vindo de avião e que partia no dia seguinte para Moçambique. Bebemos umas cervejas, conversamos e a determinada altura estendeu-me um subscrito e disse-me: "isto é para ti, pensava em escrever-te de Moçambique, mas entrego-to já". Abri o envelope e encontrei no interior a foto do barco na partida, perguntei-lhe: "o que é isto?",  - ele respondeu-me: "é a fotografia do barco onde vieste, eu estava no cais nesse dia" (primeira foto do testemunho).

Portugália - ponto de encontro de militares portugueses nos anos 69 e 70 em Luanda

Voltei a encontrar o Abel em 1971, no regresso da guerra, continuamos amigos até hoje.

Outras Fotos do embarque cedidas  pelo ex-furriel Miliciano da CCS, Adelino Brandão.



F. Santos - Memórias de Angola
12 de janeiro de 2018