sábado, 6 de janeiro de 2018

Maria Fernanda ... uma dolorosa recordação


Embarcámos em Lisboa, no dia 8 de maio de 1969, a bordo do paquete Uíge, com destino à cidade de Luanda, Angola, onde chegámos a 21 desse mesmo mês. Permanecemos no Grafanil cerca de 3 semanas, entretanto, participámos no desfile do 10 de junho, que ocorreu naquela cidade.

Partimos quase de imediato para os Dembos, passando pela Fazenda Maria Fernanda, onde ficámos apenas alguns dias, antes de seguirmos para o nosso destino final, o Dange. Foi nesta curta estadia, cuja duração, se bem me lembro, não terá ultrapassado os 8 dias, quando aconteceu um episódio que teve tanto de inesperado e absurdo, como de trágico, o que dificulta traduzi-lo em palavras neste relato pessoal.

Acampámos no cimo duma encosta a Nascente da Fazenda, num espaço em declive, na parte de baixo existia a picada e um vale, em frente erguia-se uma nova encosta, que devia distar do local onde nos encontrávamos cerca de 1 KM em linha reta, no cimo dessa encosta eram visíveis algumas bananeiras.
Fazenda Maria Fernanda

No sexto dia de permanência na Fazenda, a 20 de junho de 1969, ao final da tarde, encontrávamo-nos junto ao espaço reservado à cozinha, quando tudo começou: estava uma ligeira brisa, o sol refletia-se na folhagem das bananeiras da encosta em frente, o vento fazia com que a folhagem das referidas bananeiras se movesse, provocando sombras difusas em movimento. Este cenário, levou-nos a imaginar e a acreditar de que aquelas sombras seriam o inimigo (vulgo “turras”) a passar de um lado para o outro, alinhando-se para um ataque surpresa. Iludidos pelo medo e pela inexperiência, fomos induzidos a organizar uma operação de reconhecimento e neutralização do “inimigo”.

Não sei bem como foi tomada esta decisão, lembro-me que partiram duas colunas, - o recrutamento terá sido feito na base do voluntariado -, uma seguia pelo lado norte e outra pelo lado sul, sob o comando do Alferes Franco. Nós continuámos junto da cozinha, - o jantar era, as inevitáveis salsichas com arroz -, onde o cozinheiro Albertino (Ponte de Lima), mexia o arroz com uma enorme pá de madeira. Ficaram por ali também o 1º Cabo cozinheiro Carlos Pereira e os cozinheiros Orlando e Rodrigues, o Furriel Simões, penso que o Furriel Merca também estaria, entre muitos outros camaradas, tanto das especialidades, como atiradores, que se juntaram, observando com alguma ansiedade o que se passava com os camaradas que participavam na já referida operação.

Os que ficaram, iam fazendo alguns comentários, uns pró, outros contra, relativamente à presença dos “turras”, mas parece-me que a tese do contra seria a mais consistente e teria mais adeptos, no entanto, uma coisa é certa, havia uma cisão nas opiniões que íamos tecendo. Estávamos nestas conjeturas quando se ouviu um tiro, seguido dum tiroteio intenso, que demorou poucos minutos, seguido de um silêncio opaco e assustador. Cerca de meia hora depois, quem tinha ficado no acampamento, teve conhecimento da tragédia, que se saldava por um morto confirmado, o Manuel Marques Ferreira e um ferido com certa gravidade, o Albano de Jesus.

Há várias teses sobre o que aconteceu no local, mas a mais provável, terá sido o desencadear de um tiroteio na frente das duas colunas, uma contra a outra, por um disparo inicial, inadvertido.

Hoje, à distância de 45 anos, não se percebe muito bem, porque desencadeámos esta insólita operação, quando no local, existia uma Companhia, que estava ali instalada havia muito tempo e tinha como missão proteger a Fazenda. A nossa Companhia estava apenas em trânsito para o Dange.

Fazenda Maria Fernanda: o nosso acampamento seria ao cimo desta rampa
Fotos: Pesquisadas na NET

F. Santos - Memórias de Angola 
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015 

PS. Alguém que tenha participado nesta operação deveria contar a sua versão dos acontecimentos, já que esta é uma visão parcial de quem permaneceu no acampamento e os presenciou de fora.
FS.


10 comentários:

  1. Me revejo muito nos teus depoimentos, uma Companhia do meu Batalhão esteve instalada na Fazenda Maria Fernanda, também por lá passei, pelos anos 63/65 era uma zona de grande actividade terrorista como lhe chamávamos, onde tomei parte em muitas operações

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    1. J Costa; Pertenci a C.Cac 405 do Bat.442. Nos na Maria Fernanda, a 407 no Tari, a 406 nao muito longe e a CCS em Muxaluando, entre abril de 63 a outubro do mesmo ano. Conheci diversos camaradas e superiors, entre eles o Furriel Maia da CCS que tinha sido o meu instrutor na CIC 2, Figueira da Foz. Eu era portanto um condutor de GMC que lidava na picada muitas vezes so'. Deve lembrar-se do nosso primeiro desaire a um mes da chagada, em que eliminaram o n/ radio-telegrafista; e gracas a coragem e visao de um Furriel, conseguiram sair do local com ele e alguns feridos, um deles Furriel tambem que teve de regressar a Lisboa para ser tratado. Fomos no entanto (eu assim o considero), depois disso, poupados de maior desastres humanos. Eu mesmo fui visto (por uns poucos minutos), como sufocado pelo fumo da granada que rebentou quando saia da GMC. Estamos ca' e libres dessa contenda... Saude e mais uns anos de vida.

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  2. Fui fuzileiro e também por lá andei Maria Fernanda, Maria Manuela, Fazenda Margarido, etc. lamentavelmente esses acontecimentos de confrontos entre as nossas tropas era frequente...

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  3. Ao final da tarde de 6ªfeira 20Jun1969, encontrando-se desde há seis dias acantonada na Roça Maria Manuela, a CCac2505 sofreu a sua primeira baixa: no início da Op Grande Salto, coordenada pelo BCav2830, aquando na progressão por uma picada da Fazenda Maria Fernanda (subsector do Piri), o soldado atirador n/m 12164868 Manuel Marques Ferreira foi gravemente atingido por um tiro, tendo sido evacuado para a enfermaria da subunidade, onde veio a falecer.

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  4. Negativo.
    Fonte de informação: vd HU do 2872, em acervo no AHM sob a cota PT/AHM/2/2/94.
    Saudações veteranas.

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    1. A " vd HU do 2872, em acervo no AHM sob a cota PT/AHM/2/2/94." não está correta: A C.Caç 2505 não estava nesta altura na Roça Maria Manuela, mas sim na Fazenda Maria Fernanda. Conhecemos a a Fazenda Maria Manuela, mas sempre de passagem. Depois da Maria Fernanda ficámos num acampamento junto ao rio Dange,a uns 4 Km da ponte, onde se encontravam os "Centauros", companhia de cavalaria que não recordo o número.Outra incorreção desse "acervo" é que a progressão não foi por uma picada, mas no interior da mata.

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  5. Eu era radiotelegrafista da CCS do Batalhão de Cavalaria 2830 como tal também passei por essas fazendas mas foi na Maria Manuela que estive mais tempo para fazer proteção á engenharia militar na construção da ponte do rio Dange. A nossa base era no Grafanil porque era o Batalhão de intervenção e proteção á rede periférica de Luanda. Abraço a todos os camaradas.

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  6. Julgo ter dormido nesse local junto á fazenda Maria Fernanda em 68 P.Mort.1237 iamos a caminho da operação Nova Luz a abrir a picada até ao rio Dange. Um grande abraço a esses Combatentes.

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  7. Também eu embarquei nesse dia e nesse navio.
    Fiquei em Luanda no AEA (Agrupamento de Engenharia de Angola) Enfermaria pois era ENFERMEIRO.

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