Luanda já tinha
ficado para trás. Desembarcámos no porto
desta cidade no dia 21 de maio de 1969, ainda, a tempo de desfilarmos perante
as altas patentes militares e civis, no dia 10 de junho.
Mal tivemos tempo para arrumar a mala e já estávamos na "picada". O nosso destino era o Dange, lugar onde não havia nada, ou melhor só havia o rio e a floresta. Construímos o nosso acampamento com as nossas próprias mãos e a ajuda duma máquina da engenharia.
Condomínio de luxo no Dange |
Entretanto, já
tínhamos sofrido a primeira "baixa", na passagem pela fazenda Maria
Fernanda (história
que já contei noutro testemunho), depois da chegada, logo a seguir,
sofremos a segunda "baixa" (esta história está mais difícil de
narrar...). E ainda tivemos mais 4 "baixas" até final da comissão.
Mas vamos ao que
nos trouxe aqui: "O furriel e o cabrito".
Numa das
operações que realizávamos regularmente, ao passarmos por uma "lavra"
(terra de cultivo), os indígenas puseram-se em fuga, mas para trás deixaram um
cabrito que foi trazido para o acampamento e que o nosso amigo Furriel veio a adotar.
A partir daí ficaram amigos inseparáveis. Andavam pelo acampamento juntos, iam
beber água ao rio, passeavam pelas imediações. Só não dormiam juntos: o Furriel
pernoitava no barracão destinado aos sargentos e o Cabrito ficava preso nas
traseiras.
Certa noite, já
bem entrada, eis que se começou a ouvir um diálogo interessante junto à porta
do Bar de Sargentos. Era nem mais nem menos que o Furriel (já a sofrer dos
efeitos do cacimbo) e o seu inseparável amigo Cabrito:
Furriel -
"Tu não podes entrar aqui"
Cabrito -
"Méeeee..."
Furriel - "Já te disse, não podes entrar"
Cabrito -
"Méeee...."
Furriel -
"Tu não és sargento, não podes entrar"
Cabrito -
"Méeee..."
Bar de Sargentos no Dange - O militar na foto não é o furriel desta "estória" |
Furriel - apontando
para o letreiro que dizia 'Bar de Sargentos', perguntou: "Tu sabes
ler?"
Cabrito -
Méeee..."
Furriel -
"Ali está escrito 'Bar de Sargentos', não podes entrar"
Cabrito -
"Méeee..."
Alguém no
interior do bar disse: "oh Cristo, deixa lá entrar o Cabrito"
Furriel - "Não!
Não entra!".
E não entrou. Mas não sem que antes tivesse
respondido: "Méeeeee..."Bar de Sargentos no Dange |
Passados alguns
dias o Furriel foi escalonado para uma operação apeada que demorou alguns dias
(eram normalmente de 3 a 5 dias). O seu grande amigo, Cabrito, não foi
autorizado a acompanhá-lo. Deu-se então a separação, que viria a ser
definitiva: durante a ausência do Furriel, o Cabrito acabou no caldeirão e o
Furriel no seu regresso, ficou ainda mais "cacimbado" do que já
estava, infringiu os regulamentos militares, foi punido com 10 dias de prisão
disciplinar e transferido para outra companhia.
Reencontramo-nos
em Luanda quando já aguardávamos o regresso. Continuava castiço como era seu
timbre, acompanhou-nos na viagem a bordo do "Vera Cruz" até Lisboa e
seguiu o seu destino.
O nome usado é
fictício.
F Santos -
Memórias de Angola
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
PS - O Furriel
reside atualmente, algures, no Algarve, dedicou-se à agricultura e segundo
testemunhos recentes, ainda não se curou do "cacimbo".
FS
Ora bolas...foi indecente o que fizeram ao pobre do cabrito. Já agora quais foram as infrações praticadas pelo tal furriel que mereceram 10 dias de prisão?
ResponderEliminarNão recebeu nada de volta? Nem uma medalha para o cozinheiro'
ResponderEliminarUma história bem bem contada que eu admiro com grande satisfação
ResponderEliminarTive eu no Luquembo uma cabritinha a que chamei Juliana. desde pequenina a criei e era como um caozinho. Chamava por ela e la vinha a correr e se subia com as patas igual que um cao. Tenho alguma fotografia com ela. Certo dia sai do quartel (fui 1º cabo Trms) voluntario para uma PSIC. total 6 ou 8 dias, quando cheguei ja a cabrita estava assada pelo Dias cozinheiro pedido feito pela equipa de trms. Toral ainda cheguei a tempo de comer um bocado da cabrita que com tanto jindungo deu comida para 18 comensais. So nao sobrou bebida. CCS B:ART 3881. !º cabo Veiga. abraços amigos.
ResponderEliminarGostei da estória...Pelas minhas andanças por Angola 1970/1974 eu tinha um leopardo fêmea, domesticada que andava comigo dentro da carrinha Citroen, toda a estória esta contada nos meus 7 livros que estão na Internet no site palancanegra ela não terminou a vida em churrasco, como a cabrita, eu nunca teria feito uma coisa destas...Enfim, a fome da para fazer tudo.
ResponderEliminarEm 1969, no Lumege - O 5º. Grupo da 20ª. Companhia de Comandos, teve uma história idêntica, de sargentos, mas foi com um leitão a quem foi posto o nome de "SIROCO". Acabou na barriga dos comandos da 1ª. e 2ªs. equipas.
ResponderEliminarSe estiverem interessados, contarei a história doinfortunado "SIROCO".
Tenho um passado que também é parte da minha história em Angola e que também está relacionada com um cabrito.
ResponderEliminarEstavamos em Catete, a companhia que fomos substituir - já em 1975 - deixeou lá um cão rafeiro, encopado, que mal que um cabrito na estrada se aproxima-se da Porta-d´Armas era logo filado pelo cão - tinhamos sido avisados de isso e não há história que o cão tenha filado nenhum cabrito à Porta-d´Armas
O cão, com o nome capitão pernoitava no tren-auto - quem esteve em Catete sabe que o tren-auto ficava lá em baixo.
certo dia, chega o nosso Comandante o Senhor Capitão Gabriel Gomes Mendes e pergunta: quem fez petiscada aqui ontem? foram os transmiossões - responderam responderam muitos.
As transmissões ficavam na rectaguarda da secretaria e junto da cantina/bar dos Praças; ora, todos os petiscos que os transmissões faziam era "público". O Comandante dirigiu-se a nós e ordenou: têm que paga 50$00 ao nativo porque diz que lhe comeram um cabrito. Reclamamos: Senhor Capitão, nós petiscamos bacalhau assado - e foi; hoje, ainda sou testemunha de isso. Os transmissões nesse dia fizeram um petisco mas foi bacalhau assado.
soube-se, depois, que quem comeu o cabrito foi o pessoal do Tren-auto.
António Galamba Serrano
Soldado Transmissões 093084/73
C.caç 4145/74 (comandada pelo Senhor Capitão que acima refiro)
Parabéns. Fantástica história! Um grande abraço.
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