terça-feira, 10 de abril de 2018

Porque deixei de "gostar" de carapaus alimados?

Carapaus alimados

Todos nós, que vivemos nas gerações de 50 e 60 do século passado, no tempo em que frequentávamos a escola primária, nos lembramos dos peixeiros que percorriam quilómetros a vender o peixe de monte em monte. Na charneca de Torre e Cercas, no aglomerado de casas (poucas), com os moradores a terem laços familiares uns com os outros, moravam dois irmãos peixeiros, o David, mais velho e o Gregório, mais novo, primos irmãos da minha mãe. Compravam o peixe em Armação de Pera ou em Portimão e vendiam de porta a porta, inicialmente de bicicleta, depois mais tarde de motorizada.

Vendedor de porta a porta com bicicleta 
(as bicicletas usadas pelos primos da minha mãe eram um pouco diferentes)

Estes primos  da minha mãe, vendiam sardinhas, carapaus, chicharros e cavalas, o chamado na altura, peixe dos pobres. Era ao fim do dia que a minha avó comprava o peixe fresco  a estes sobrinhos peixeiros, para assar, fritar ou cozer. O peixe que sobrava, como não tínhamos frigoríficos, ia sendo empilhado numa caixa em camadas, cobertas com sal, para curtir e cozinhar mais tarde.

A história que vou contar, passa por um prato, que eu gostava muito, ainda antes de entrar para a escola primária, os carapaus alimados. A minha mãe cozia-os à noite, tirava a serrilha, colocava-os num prato de barro vermelho, cobria com cebola, alho, coentros ou salsa, azeite e vinagre ou limão, ficava ali dum dia para o outro. Era uma maravilha.

Quando no primeiro ano de frequência  da escola, já não me lembro em que dia, a minha mãe à noite fez carapaus alimados, que eu no dia seguinte levei para o almoço na escola. Ela tinha comprado um cesto de cana rachada, uma marmita de alumínio com molas, que fechava hermeticamente, colocou na marmita os carapaus alimados e num guardanapo o pão que era para ensopar no molho.

O cesto e a marmita

Ia radiante nesse dia, tinha ao almoço, o meu prato favorito. A escola era longe, passava por outros montes, onde outros alunos me iam acompanhando, no fim da viagem já o número era razoável. Durante o caminho brincávamos à apanhada, a quem saltava mais longe... O cesto redopiava nas minhas mãos  e por vezes rolava pelo chão, eu apanhava-o novamente, mas estava descansado a marmita estava bem fechada e não havia qualquer problema.

Cheguei à escola coloquei o cesto ao fundo da sala, junto ao tanque da água. A manhã decorreu normalmente. Chegou o intervalo para o almoço, levantei-me rapidamente, peguei no cesto e fui até junto duma parede onde existia, em frente, uma alfarrobeira centenária. Abro a tampa do cesto, estava tão contente, tinha carapaus alimados: solto as molas da marmita; tiro a tampa; olho para dentro; nem queria acreditar; fiquei paralisado; o meu petisco resumia-se a um montinho de espinhas, mas o que mais me atormentou foi toda aquela mistura ter formado uma pasta acinzentada; veio-me logo à cabeça, o vomitado de gato. Atirei tudo para o lixo. Nesse dia só comi pão. Quando cheguei a casa não disse nada à minha mãe.

Na semana seguinte, a mesma azáfama, no mesmo dia da semana, a minha mãe toda contente, diz-me: "amanhã levas os carapauzinhos que tanto gostas"; veio-me logo à mente o "vomitado de gato" no fundo da marmita, apresso-me a dizer com cara de muito chateado: "eu já não "gosto" de carapaus alimados!"; ela responde-me, muito certa do que estava a dizer: "não gostas! É o prato que tu mais gostas". E não adiantou argumentar, na manhã do dia seguinte, lá estavam os carapaus na marmita, que eu atirei logo fora, assim que saí de casa. Mais um dia a pão e água.

Até deixei de comer carapaus alimados em casa, porque sempre que olhava para os carapaus só via "vomitado de gato". Depois de levar esta ementa várias vezes para o almoço na escola, sempre com o mesmo resultado, convenci a minha mãe a não me mandar esse prato. Cheguei a pensar que todas as semanas ia ter mais um dia  de fome.

F. Santos - Memórias de infância
10 de abril de 2018 

6 comentários:

  1. Tambem eu adoro carapaus alimados desde que os provei que foi um momento unico.... Eu estava em Vila Real de Santo Antonio em casa de um amigo,onde vivia a sua Maê e o Tio Anibal...Minha mulher estava gravida e a Tia Amelia e o Tio Anibal não sabiam o que fazer connosco para gostar-mos da estadia...Certo dia levanto-me ás oito da manhã e diz-me o Tio Anibal,o vosso pequeno almoço esta no frigorifico num alguidar de barro,fiquei curioso e fui ver..lá estava a recipiente de barro,quase cheio de carapaus alimados com salada... Entrei em panico,nunca tinha comido aquilo,fui contar a minha mulher que,com o facto de estar grávida ainda agravou mais a situação e disse-me:nem pensar..Tracei um plano,arranjei um saco de plástico e quando os meus amigos saissem levava-os e deitava no lixo,sem lhes dizer para ser agradavel,só que eram quase 09.30 nem nós comiamos,nem os nossos amigos saiam de casa.....Perguntei a minha mulher,o que fazemos? diz-me ela,vamos comer os carapaus,não vamos morrer por isso,Certo,digo eu......Amandamo-nos aos carapaus com um pãozinho ainda quente e chã frio( fazia muito calor) começamos e só acabamos quando deixamos o objeto de barro totalmente limpo,passado a pão naquele delicioso petisco algarvio.... Hoje quando volto ao Algarve,não passo sem os comer,lamentável é quando os peço ,me digam ser comida de pobres...

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  2. OS CARAPAUS NAO TINHA CULPA......MAS QUE È UMA RECEITA MUITO BOA PARA DEIXAR DE FUMAR ...È

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  3. Eu sou de Lisboa, mas vivo no Algarve desde os meus 7 anos, e nunca em minha casa se comeu carapaus alimados. Eu ouvia falar e também ouvia dizer que era comida de pobre (não percebendo na altura o porquê dessa designação). Um dia, já adulta fui jantar a casa de uma amiga minha em Armação de Pera, era verão, e o marido tinha feito o jantar, Gaspacho e Carapaus Alimados!! Pensei: "lá vou passar fomeca", pois para mim Carapaus Alimados nunca me haviam aparecido à mesa. Bem... lá fiz um esforço e comi, e comi e comi!!! É tão bom! - Dizia eu! E desde aí que comecei a comer e a fazer Carapaus Alimados :-)

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  4. Para mim os ditos são umagoloseima, vivo em Leça do Balio e de vez em quando, arranjo uns carapaus alimados. Uma nota: na receita atràs referida, falta o principal para mim) os oregãos. Abraços

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  5. Maravilhosos,os que a m/ mãezinha fazia,limpos ,sem uma espinha ,alhos e azeite e acompanhado com pãozinho quente,Hummm delícia

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  6. Adorooo, sou capaz de comer paletes 😀😀😀

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