Carapaus
alimados
Todos
nós, que vivemos nas gerações de 50 e 60 do século passado, no tempo em que
frequentávamos a escola primária, nos lembramos dos peixeiros que percorriam
quilómetros a vender o peixe de monte em monte. Na charneca de Torre e Cercas,
no aglomerado de casas (poucas), com os moradores a terem laços familiares uns
com os outros, moravam dois irmãos peixeiros, o David, mais velho e o Gregório,
mais novo, primos irmãos da minha mãe. Compravam o peixe em Armação de Pera ou
em Portimão e vendiam de porta a porta, inicialmente de bicicleta, depois mais
tarde de motorizada.
Vendedor de porta a porta com bicicleta
(as bicicletas usadas pelos primos da minha mãe eram um pouco diferentes)
(as bicicletas usadas pelos primos da minha mãe eram um pouco diferentes)
Estes
primos da minha mãe, vendiam sardinhas,
carapaus, chicharros e cavalas, o chamado na altura, peixe dos pobres. Era ao
fim do dia que a minha avó comprava o peixe fresco a estes sobrinhos peixeiros, para assar,
fritar ou cozer. O peixe que sobrava, como não tínhamos frigoríficos, ia sendo
empilhado numa caixa em camadas, cobertas com sal, para curtir e cozinhar mais
tarde.
A
história que vou contar, passa por um prato, que eu gostava muito, ainda antes
de entrar para a escola primária, os carapaus alimados. A minha mãe cozia-os à
noite, tirava a serrilha, colocava-os num prato de barro vermelho, cobria com
cebola, alho, coentros ou salsa, azeite e vinagre ou limão, ficava ali dum dia
para o outro. Era uma maravilha.
Quando
no primeiro ano de frequência da escola,
já não me lembro em que dia, a minha mãe à noite fez carapaus alimados, que eu
no dia seguinte levei para o almoço na escola. Ela tinha comprado um cesto de
cana rachada, uma marmita de alumínio com molas, que fechava hermeticamente,
colocou na marmita os carapaus alimados e num guardanapo o pão que era para ensopar
no molho.
O
cesto e a marmita
Ia
radiante nesse dia, tinha ao almoço, o meu prato favorito. A escola era longe,
passava por outros montes, onde outros alunos me iam acompanhando, no fim da
viagem já o número era razoável. Durante o caminho brincávamos à apanhada, a
quem saltava mais longe... O cesto redopiava nas minhas mãos e por vezes rolava pelo chão, eu apanhava-o
novamente, mas estava descansado a marmita estava bem fechada e não havia qualquer
problema.
Cheguei
à escola coloquei o cesto ao fundo da sala, junto ao tanque da água. A manhã
decorreu normalmente. Chegou o intervalo para o almoço, levantei-me
rapidamente, peguei no cesto e fui até junto duma parede onde existia, em
frente, uma alfarrobeira centenária. Abro a tampa do cesto, estava tão contente,
tinha carapaus alimados: solto as molas da marmita; tiro a tampa; olho para
dentro; nem queria acreditar; fiquei paralisado; o meu petisco resumia-se a um
montinho de espinhas, mas o que mais me atormentou foi toda aquela mistura ter
formado uma pasta acinzentada; veio-me logo à cabeça, o vomitado de gato.
Atirei tudo para o lixo. Nesse dia só comi pão. Quando cheguei a casa não disse
nada à minha mãe.
Na
semana seguinte, a mesma azáfama, no mesmo dia da semana, a minha mãe toda
contente, diz-me: "amanhã levas os carapauzinhos que tanto gostas";
veio-me logo à mente o "vomitado de gato" no fundo da marmita,
apresso-me a dizer com cara de muito chateado: "eu já não "gosto"
de carapaus alimados!"; ela responde-me, muito certa do que estava a
dizer: "não gostas! É o prato que tu mais gostas". E não adiantou
argumentar, na manhã do dia seguinte, lá estavam os carapaus na marmita, que eu
atirei logo fora, assim que saí de casa. Mais um dia a pão e água.
Até deixei de comer carapaus alimados em casa, porque
sempre que olhava para os carapaus só via "vomitado de gato". Depois
de levar esta ementa várias vezes para o almoço na escola, sempre com o mesmo
resultado, convenci a minha mãe a não me mandar esse prato. Cheguei a pensar
que todas as semanas ia ter mais um dia
de fome.
F. Santos - Memórias de infância
10 de abril de 2018
Tambem eu adoro carapaus alimados desde que os provei que foi um momento unico.... Eu estava em Vila Real de Santo Antonio em casa de um amigo,onde vivia a sua Maê e o Tio Anibal...Minha mulher estava gravida e a Tia Amelia e o Tio Anibal não sabiam o que fazer connosco para gostar-mos da estadia...Certo dia levanto-me ás oito da manhã e diz-me o Tio Anibal,o vosso pequeno almoço esta no frigorifico num alguidar de barro,fiquei curioso e fui ver..lá estava a recipiente de barro,quase cheio de carapaus alimados com salada... Entrei em panico,nunca tinha comido aquilo,fui contar a minha mulher que,com o facto de estar grávida ainda agravou mais a situação e disse-me:nem pensar..Tracei um plano,arranjei um saco de plástico e quando os meus amigos saissem levava-os e deitava no lixo,sem lhes dizer para ser agradavel,só que eram quase 09.30 nem nós comiamos,nem os nossos amigos saiam de casa.....Perguntei a minha mulher,o que fazemos? diz-me ela,vamos comer os carapaus,não vamos morrer por isso,Certo,digo eu......Amandamo-nos aos carapaus com um pãozinho ainda quente e chã frio( fazia muito calor) começamos e só acabamos quando deixamos o objeto de barro totalmente limpo,passado a pão naquele delicioso petisco algarvio.... Hoje quando volto ao Algarve,não passo sem os comer,lamentável é quando os peço ,me digam ser comida de pobres...
ResponderEliminarOS CARAPAUS NAO TINHA CULPA......MAS QUE È UMA RECEITA MUITO BOA PARA DEIXAR DE FUMAR ...È
ResponderEliminarEu sou de Lisboa, mas vivo no Algarve desde os meus 7 anos, e nunca em minha casa se comeu carapaus alimados. Eu ouvia falar e também ouvia dizer que era comida de pobre (não percebendo na altura o porquê dessa designação). Um dia, já adulta fui jantar a casa de uma amiga minha em Armação de Pera, era verão, e o marido tinha feito o jantar, Gaspacho e Carapaus Alimados!! Pensei: "lá vou passar fomeca", pois para mim Carapaus Alimados nunca me haviam aparecido à mesa. Bem... lá fiz um esforço e comi, e comi e comi!!! É tão bom! - Dizia eu! E desde aí que comecei a comer e a fazer Carapaus Alimados :-)
ResponderEliminarPara mim os ditos são umagoloseima, vivo em Leça do Balio e de vez em quando, arranjo uns carapaus alimados. Uma nota: na receita atràs referida, falta o principal para mim) os oregãos. Abraços
ResponderEliminarMaravilhosos,os que a m/ mãezinha fazia,limpos ,sem uma espinha ,alhos e azeite e acompanhado com pãozinho quente,Hummm delícia
ResponderEliminarAdorooo, sou capaz de comer paletes 😀😀😀
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