segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Procissão até à Fonte Figueira nos anos 50 (talvez em 1958)

Um acontecimento pouco comum na charneca de Torre e Cercas
 

 A Fonte Figueira, foto tirada em 2016
 
A nossa professora, Maria Alves, era duma família muito religiosa (entenda-se religião católica), o marido era contínuo na Escola Industrial e Comercial de Silves, o Manuel Rodrigues (Quintas). Este casal nunca faltava a uma missa ao domingo na Sé de Silves. Muitas vezes acompanhei-os, passando pela ribeira, numas passadeiras até à Norinha, depois, íamos na camioneta da messinense ou a pé. Este era o percurso que fazíamos no verão, porque no inverno, com as cheias tínhamos de ir pelos Queimados, seguíamos até ao Enxerim, passávamos pela Cruz de Portugal, cemitério e subíamos pela rua do Castelo até à Sé.

A nossa professora, completou 100 anos, no dia 11 de fevereiro de 2020. Aqui num almoço com os seus alunos

Essa procissão terá sido a do “Senhor dos Passos”, mas não tenho a certeza, a da Páscoa não seria com certeza. Lembro-me que meu pai trabalhava nessa altura para o senhor Silvestre, pai da nossa professora. Nos dias que antecederam a procissão, terá trabalhado para engalanar a estrada que vinha do Enxerim até à Fonte Figueira. Nesse dia quando chegou a casa, recomendou-me que teria de ir à escola nesse dia, mesmo não havendo aulas, sem falta. Disse mais: não podíamos cavar no chão a partir de quinta-feira antes do dia de Páscoa e nem podíamos comer carne a partir dessa data. Só mais tarde vim a saber o que estas continências significavam na fé cristã.

Como o meu pai me tinha recomendado e a minha mãe fez questão, apareci na escola, com a melhor roupa que tinha e até com uns sapatinhos novos, todos engraxados. Quando chegou a procissão, houve muitas palmas, a que eu correspondi sem saber porquê, de seguida assistimos a um discurso, a cargo do Sr. Manuel da Quinta (não me lembro se o prior, padre Oliveira, veio nesta procissão, provavelmente não, terá tido outros compromissos nesse dia, talvez outra procissão). Durante o discurso a meu lado, o Gregório dos Santos Alvares (Gregorinho), achou tudo isto muito estranho, tocando-me na perna, interrogava-me muito admirado: “mas ele não é padre!?”.

F. Santos – Memórias de Infância
24 de fevereiro de 2020

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Corridas na Ponte do Caniné nos anos 60

(Aventuras inconscientes da adolescência)

Foto de Aníbal Vieira: Ponte do Caniné num visita de estudo da minha turma do 2º ano do Curso de Formação Geral de Comércio, no ano letivo de 1962/63 (pode ver-se os travessões, mas as telhas não são visíveis nesta foto)
A Ponte do Caniné, não era uma ponte tradicional, para passar de um lado para o outro de um rio, ou para atravessar um vale. Esta ponte servia para transportar a água do canal, que chegava ali, vinda da barragem de Silves. Em resumo era um aqueduto à superfície, construído com a finalidade de conduzir a água do lado do Enxerim para o Monte Branco e ultrapassar o vale onde passava uma estrada, que vinha do “Encalhe” e se dirigia para a serra. A sua construção era feita de pilares de cimento armado e ao cimo com duas caleiras de telhas, com travessões de cimento, em paralelepípedos, ao longo de toda a ponte. 

Os habitantes, especialmente, os do Monte Branco, usavam esta ponte para atravessar de um lado para o outro, colocando os pés sobre os travessões.


Na minha juventude, havia no Monte Branco seis ou sete rapazes da mesma geração e outros um pouco mais novos. Os da minha geração eram: Fernando Santos, Manuel Albano, Abel Santos, António Caixinha e Carlos Albano. Acontece que passávamos regularmente sobre esta ponte para descer para o Enxerim e ir até à foz do rio do mesmo nome, no rio Arade, onde havia alguns pegos, “as nossas praias”,que faziam as delícias destes banhistas. Tomávamos ali os nossos maravilhosos banhos.

Certo dia, no regresso dos banhos no rio Arade, começámos a fazer corridas sobre a ponte: um em cada caleira, usando os travessões, que perigo! Fizemos muitas corridas: o Manuel Albano era o campeão e o mais “maluco”; apenas eu lhe dava alguma luta, mas ele ganhava sempre. Um dia pensei: “hoje vou ganhar-te” e delineei uma estratégia; no final havia sempre a tendência para diminuir a velocidade, porque a seguir havia o leito normal do canal e saímos sempre pelas margens, um por cada lado; eu, secretamente, em vez de diminuir a velocidade, ainda aumentei, passei o último travessão em primeiro lugar e mergulhei no canal, onde tomei mais um banho com toda a roupa vestida. Foi a única vez que o venci.

Noutra ocasião, coloquei mal o pé sobre o penúltimo travessão e fui embater com o peito no último, fiquei com um vergão do lado direito, possivelmente, terei fraturado algumas costelas, mas não fiquei a saber, porque mantive esta situação em segredo, aguentando as dores durante alguns dias, até que as escoriações e o sofrimento passou.

Hoje, que sou avô, até me arrepia de pensar que os meus netos entrariam numa brincadeira destas tão perigosa.

F. Santos – Memórias da Juventude
19 de fevereiro de 2020
 


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Equipa de futebol da Cruz de Portugal - algumas “estórias” à volta do 1º torneio de Silves - Ano de 1964

Foto de João Gonçalves (Xove): Equipa do Grupo Desportivo da Cruz de Portugal - 1964
De pé da esquerda para a direita: Zé Viola, Fernando A. Simões Santos, Amador Rosa, Manuel João, João Gonçalves (Xove), Zé Sabas.
Em baixo pela mesma ordem: Eduardo Cabrita dos Santos (Fofas), Martinho (Vila Real), Vitorino Nobre Rodrigues, Edmundo Estrela (Caião à Cova) e João Matoso (Xanin).

Alguns seminaristas da zona de Lisboa, passavam férias em Silves, na residência do padre Oliveira. Não sei como nasceu a ideia de organizarem um torneio de futebol juvenil nesta cidade. Tivemos conhecimento desse torneio, onde podiam participar equipas com jogadores com menos de 17 anos e que não tivessem vínculo federativo. Participaram neste torneio, as equipas: Jardim, Cerca da Feira, Académico, Escuteiros, Mata e Cruz de Portugal, num torneio de todos contra todos. Peço desculpa se falta aqui alguma equipa.

Começamos a formar uma equipa de amigos, que ia do Enxerim, Aldeia, Música, Encalhe, Monte Branco e Pinheiro. Formada a equipa, não foi muito difícil escolher o nome, surgiram alguns, conforme a origem dos seus elementos, mas chegamos a um consenso e o nome escolhido foi: GD Cruz de Portugal. Precisávamos dum treinador, ou melhor, uma equipa sem treinador, não é uma equipa de respeito: nome recaiu no Joaquim Cartaxo, que aceitou prontamente o cargo. Depois faltavam os equipamentos, foi o nosso treinador que providenciou junto de outra equipa de Silves, “Os Onze Estrelas”, da qual ele fazia parte (equipamento todo branco - até dizíamos por graça que era o Real Madrid - e com as camisolas devidamente numeradas). Estava completa a equipa e foi só inscrevê-la no torneio.

1ª contrariedade
Fizemos alguns treinos antes do torneio com outras equipas ou grupos de amigos, onde vencemos todos. Mas foi ai que tivemos a 1ª contrariedade, no último treino o “Costa Pereira” (Manuel Albano), não tocou na bola, dada a fragilidade do nosso oponente, no final do treino disse-nos: “eu aqui não brilho, vou jogar para a equipa do Jardim e assim foi, ficamos sem o único guarda-redes que tínhamos. Tivemos que recrutar dentro dos jogadores de campo um guarda-redes, que recaiu no Zé Sabas (que mais tarde chegou jogador dos seniores no Silves Futebol Clube, nesta posição).

2ª Contrariedade
Começou o torneio, no primeiro jogo, à hora do início da partida, tínhamos apenas 9 jogadores. Para completar a equipa faltavam 2 jogadores, sendo um deles, o Zé Sabas que devido à transferência de última hora era no nosso guarda-redes. O Sabas andava a trabalhar durante as férias escolares de verão. Tivemos, durante um período de cerca de 10 minutos, recrutar outro jogador para a baliza, terá sido o João Xove, mas não tenho a certeza. Montamos durante esse tempo um sistema defensivo que nos permitiu aguentar o resultado em branco, entretanto chegaram os jogadores que faltavam e a equipa ficou completa. Ganhámos esse jogo, não recordo contra que equipa, nem por que resultado.

A vingança
O Manuel Albano que nos tinha abandonado, segundo ele, porque não brilhava na nossa equipa, transferiu-se para a equipa do Jardim, pouco antes do início do torneio ter começado. No jogo que realizámos contra esta equipa, começámos em desvantagem, perdíamos por 0-1 no final da primeira parte. O jogo estava difícil, com perspetivas de o perdermos e consequentemente perder o torneio para o nosso maior rival. No início da segunda parte beneficiámos de um penalty (hoje, grande penalidade), o João Xove, agarrou a bola e disse: vou-me vingar! Converteu-a em golo e disse: nem que fosses o Costa Pereira (este guarda redes, jogava na altura no Benfica e era considerado o melhor naquela posição: internacional por Portugal e campeão europeu pela sua equipa). Acabámos por marcar mais um golo e vencemos o jogo.

A Taça
No final do último jogo, consumou-se a vitória do GD da Cruz de Portugal, só com vitórias. Surpresa total, a taça não apareceu e ficámos muitos desiludidos. Não ficámos quietos, nem era essa a nossa postura, imaginamos logo como a devíamos recuperar: então, decidimos ir até à residência do prior padre Oliveira e reivindicar o troféu. O pessoal todo empoleirado em cima dos muros a pedir para lhe ser entregue a taça. Ao fim de algum tempo apareceu a taça, entregue por um dos seminaristas. O problema é que depois de termos a taça em nosso poder não sabíamos o que fazer com ela, que tanto tínhamos desejado: não tínhamos sede, colocou-se a hipótese da taça ser entregue ao treinador Joaquim Cartaxo, outros diziam que deveria ficar na “música”, sociedade filarmónica, mas a maioria não concordava nem com uma, nem com outra solução. Apareceu então um jogador, o Eduardo Fofas, que se responsabilizou por ficar com a TAÇA.

Eduardo, hoje estás encarregado de marcar um almoço com toda a equipa (penso que ainda estão todos entre nós), levares a taça, para tirarmos uma foto, que não foi possível nessa altura.

F.Santos – Memórias da Juventude
12 de fevereiro de 2020