Um acontecimento pouco comum na charneca de Torre e Cercas
A
nossa professora, Maria Alves, era duma família muito religiosa (entenda-se religião
católica), o marido era contínuo na Escola Industrial e Comercial de Silves, o
Manuel Rodrigues (Quintas). Este casal nunca faltava a uma missa ao domingo na
Sé de Silves. Muitas vezes acompanhei-os, passando pela ribeira, numas
passadeiras até à Norinha, depois, íamos na camioneta da messinense ou a pé.
Este era o percurso que fazíamos no verão, porque no inverno, com as cheias
tínhamos de ir pelos Queimados, seguíamos até ao Enxerim, passávamos pela Cruz
de Portugal, cemitério e subíamos pela rua do Castelo até à Sé.
A nossa professora, completou 100 anos, no dia 11 de fevereiro de 2020. Aqui num almoço com os seus alunos |
Essa procissão terá sido a do
“Senhor dos Passos”, mas não tenho a certeza, a da Páscoa não seria com certeza.
Lembro-me que meu pai trabalhava nessa altura para o senhor Silvestre, pai da
nossa professora. Nos dias que antecederam a procissão, terá trabalhado para
engalanar a estrada que vinha do Enxerim até à Fonte Figueira. Nesse dia quando
chegou a casa, recomendou-me que teria de ir à escola nesse dia, mesmo não
havendo aulas, sem falta. Disse mais: não podíamos cavar no chão a partir de
quinta-feira antes do dia de Páscoa e nem podíamos comer carne a partir dessa
data. Só mais tarde vim a saber o que estas continências significavam na fé
cristã.
Como o meu pai me tinha
recomendado e a minha mãe fez questão, apareci na escola, com a melhor roupa
que tinha e até com uns sapatinhos novos, todos engraxados. Quando chegou a
procissão, houve muitas palmas, a que eu correspondi sem saber porquê, de seguida
assistimos a um discurso, a cargo do Sr. Manuel da Quinta (não me lembro se o
prior, padre Oliveira, veio nesta procissão, provavelmente não, terá tido
outros compromissos nesse dia, talvez outra procissão). Durante o discurso a meu
lado, o Gregório dos Santos Alvares (Gregorinho), achou tudo isto muito
estranho, tocando-me na perna, interrogava-me muito admirado: “mas ele não é padre!?”.
F. Santos – Memórias de Infância
24 de fevereiro de 2020
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