sábado, 31 de março de 2018

Setúbal e Lisboa - O Cauteleiro

Aos 3 ou 4 anos, o meu percurso de vida passou por  Setúbal e Lisboa, pouco tempo, mas  pareceu-me na altura uma eternidade. Nessa ocasião encontrava-se internado no Hospital de S. José o meu tio David, irmão da minha mãe, onde veio a falecer. 

Da viagem até Lisboa, apenas tenho a recordação de estar debaixo de um telheiro, chovia torrencialmente, ou parecia, porque o barulho da água ao bater no telhado era imenso, talvez por isso, tenha acordado depois dessa longa viagem.

 Estação da CP do Barreiro (Hoje em estado de abandono)

Nessa ocasião, o meu pai tinha comprado a fruta dum pomar de laranjeiras, tangerineiras e limoeiros,  em sociedade com o senhor Zé Maria, mandatário do Mercado Abastecedor do Rego. Este mercado situava-se nas traseiras do Hospital Curri Cabral. O mandatário era um intermediário que operava nos mercados abastecedores e recebia a fruta à consignação de várias proveniências, no caso dos citrinos, de pomares do Algarve, daí o conhecimento do meu pai com o senhor Zé Maria. 

Este pomar situava-se no Rego de Água, no concelho de Setúbal, não consigo identificar com precisão o local exato, seria, provavelmente, na zona da Várzea. Por este pomar passavam todos os dias umas senhoras todas vestidas de preto (faz-me lembrar as varinas que mais tarde vi a vender pelas ruas, quando estive na Póvoa de Varzim, a cumprir serviço militar, no curso de administração), para comprar laranjas e tangerinas, que venderiam na rua ou talvez no Mercado do Livramento.
 
Várzea de Setúbal (nos anos 50 era campos de laranjais)

O senhor Zé Maria morava no Martin Moniz à esquerda de quem subia na direção da Avenida Almirante Reis (hoje, esses prédios já não existem). Durante algum tempo fiquei na casa dele. Ia com frequência ao quintal da casa que ficava no rés do chão, onde vivia uma senhora (velha),  vestida de preto com lenço na cabeça, devia ser viúva. Mais tarde deixei de ir ao quintal, porque a "velha", para mim uma "bruxa", zangou-se comigo por eu estar a cavar com um sacho, fazer muito barulho e  estragar as couves.

Tenho uma foto que tirei no quintal da casa. 

 No quintal da "velha"
Martim Moniz, pode ver-se as couves na minha frente

 Martim Moniz (anos 40/50)

Foi durante este tempo, que vivi em Lisboa, que vi a coisa mais maravilhosa do mundo, que nunca mais esqueci: a minha mãe tinha ido visitar o meu tio ao hospital de S. José; eu e o meu pai ficamos ali por perto, não sei porque não a acompanhamos; na subida que dava para o referido hospital, um cachorro pequeno, com uma carroça em miniatura atrelada; o dono um cauteleiro,  tinha as cautelas em cima da carroça; fiquei deslumbrado, foi preciso o meu pai  zangar-se comigo para sair dali; por mim ficava lá para sempre.

F. Santos - Memórias de infância
29 de março 2018

segunda-feira, 26 de março de 2018

Um pouco dos primeiros tempos de menino e nos bancos de escola

Nasci na charneca de Torres e Cercas, da freguesia e concelho de Silves, decorria o mês de agosto de 1947, precisamente no dia 25. O meu pai conciliava a atividade de agricultor com a profissão de pedreiro, minha mãe era operária corticeira. Morávamos com a minha avó materna (viúva), que possuía algumas terras com alfarrobeiras, amendoeiras, figueiras e oliveiras.

Casa onde nasci (hoje, está em ruínas)

Outra casa onde morei (era muito diferente nesse tempo)

Em 1954, precisamente no mesmo dia, nascia o meu irmão. Em outubro desse mesmo ano, entrei para a  escola primária, um posto escolar na Fonte Figueira, que distava da minha casa cerca de 5 KM, percurso que fazia a pé de ida e volta, por montes e vales. As aulas eram da responsabilidade duma regente escolar, D. Maria Alves, funcionavam numa única sala, 20 a 30 alunos da 1ª à 4ª classe, em fraterna coexistência de classes sociais e de género, onde o número dos que andavam descalços ultrapassava os que usavam botas cardadas e com protetores, amolecidas pelo sebo e compradas para durarem até à eternidade. Nos jogos de futebol que se realizavam no pátio da escola, todos tinham de jogar descalços - era a igualdade a impor-se por força da justiça das crianças. No jogo da apanhada, havia a convicção de que quem andava descalço corria mais do que os outros - aqui as botas eram postas de lado e de novo a igualdade, agora, por outras razões. Os meninos jogavam ainda, pião, berlinde e viam as meninas jogar a macaca/manecas, ringue, etc…, havia, outros jogos que jogávamos em conjunto, tanto meninos como meninas, exemplos: lencinho da botica, cabra cega e escondidas... e outros.

A professora Maria Alves, no almoço de homenagem,  dos ex-alunos da escola primária da Fonte Figueira
Visitei-a no verão de 2016 (disse-me que eu era o seu aluno preferido, mas deve dizer o mesmo a todos)
Com 96 anos, estava nessa altura muito lúcida ( fez 98 anos em 11 de fevereiro de 2018)
Foto cedida por Lurdes Gonçalves:
As irmãs da professora Maria Alves , Conceiçanita à esquerda e Sebastianita à direita

Casa onde funcionou o posto escolar, hoje transformada em casa de habitação

Em 1959 fiz o exame de admissão na Escola Industrial e Comercial João de Deus (não prestei provas para terminar a instrução primária, 4ª classe, devido a uma norma que isentava os alunos que faziam exame de admissão ao 1º ciclo no caso dos liceus e ciclo preparatório no caso das escolas técnicas). Entrei nesse mesmo ano para a Escola Industrial e Comercial de Silves, ano da inauguração.

Escola Industrial e Comercial de Silves (atual Escola Secundária de Silves)

F. Santos - Memórias de infância
Janeiro de 2018