sábado, 6 de janeiro de 2018

"Passarinhos na Mutamba"

Os passarinhos, ou uma noite passada entre Grafanil - Luanda - Grafanil, com algumas peripécias pelo meio.

(Na guerra também havia diversão)

Campo Militar do Grafanil, 1970 (Arquivo digital Grafanil - Luanda)

Nos aposentos dos sargentos do Grafanil, num dos quartos, o 1º sargento Fernando Reis e o furriel miliciano Fernando Santos, jogavam uma partida de "crapô" (espécie de paciência, disputado por dois jogadores, com dois baralhos de 52 cartas), seria muito próximo da meia noite. Nisto entra de rampante o furriel miliciano Vitorino Rodrigues.  A partida foi interrompida e o Rodrigues diz em tom de gabarolice: "eh pá vocês nem sabem, comi uns passarinhos fritos numa tasquinha ali próxima da Mutamba (baixa de Luanda), que nem queiram saber!

O 1º sargento Fernando Reis à esquerda e o Furriel Miliciano Fernando Santos à direita
Jogavam uma partida de crapô

O 1º Reis, para quem o conhece, sabe bem que petiscos, era com ele, diz logo: "Vamos lá comer esses passarinhos e beber umas cervejinhas". O Vitorino diz que não pode ser, que vai entrar de serviço de Sargento dia ao Batalhão, às 8 horas da manhã. O Reis não desarma, secundado pelo Santos, diz: "estás com medo de não conseguires estar aqui a horas para entrares de serviço? Diz o Santos, "vamos lá". O Vitorino depois de alguma insistência, responde: "então vamos". E fomos, no último "machimbombo militar" (autocarro) da noite, que fazia a carreira Grafanil-Luanda. 

Mutamba anos 60 (Terminal de Transportes)

Chegados à tasquinha, ali numa travessa entre a Mutamba e a Portugália, fomos encaminhados para um reservado. Pedimos 2 cervejas cada um e uma dúzia de passarinhos fritos (diz o Vitorino que o Santos devia estar com tanta fome que comeu logo metade, o que eu não me recordo, nem acredito!). 

Durante o repasto, fizemos algumas viagens até à casa de banho, que ficava ali mesmo ao lado. A dada altura, lembro-me de ter olhado para o canto da salinha e visualizei, amontoadas dezenas de garrafas de cerveja vazias. Terminámos por volta das 5 horas da manhã, porque a tasquinha fechava a essa hora. Já bem aviados, parámos na rua, o 1º Reis volta-se para nós e pergunta: "e agora onde vamos?", responde de pronto o Vitorino: "vamos ao Rex", diz de imediato o Reis: "eu não gosto de maricas!", esclarece o Santos: "oh Reis, o Rex é um bar noturno!", então o Reis, compreensivo concorda: "ah assim vamos lá! Vamos ao strip-tease?", o Vitorino que tinha sempre a resposta pronta disse: "para o strip-tease, é melhor no Maxime". Passamos pelo Rex, pelo Maxime e talvez por mais algum! (Pedi ajuda ao Furriel miliciano João Merca e ele recordou-me mais três bares: Gôndola ( da Zézinha), o  007 (da Ju) e o Texas Bar ( da Manuela). 

Mas o Vitorino tinha de entrar de "Sargento Dia", pelas 8 da manhã, transportes não havia aquela hora, mesmo que houvesse, estávamos noutra, então, iniciámos o percurso de regresso a pé para o Grafanil: subimos até à Maria da Fonte; Avenida dos Combatentes e tomámos o rumo da estrada de Catete, ali bem perto, fomos encontrar uma tasca ainda aberta: encontravam-se na tasca, alguns resistentes da noite, bebendo, conversando e discutindo. Bebemos mais umas aguardentes, que não pagamos, porque os nossos companheiros ocasionais não nos deixaram pagar.

Tínhamos ainda que percorrer alguns quilómetros até ao Grafanil, dois metros para a frente, parávamos para fazer uma reunião, não sei quantas fizemos, nem me lembro o que discutíamos. O Vitorino estragava logo as reuniões e não chegávamos a conclusões. Dizia o Reis para ele já irritado: "'porra', por causa da 'merda' dum serviço temos de ir a correr!"  O Vitorino tinha de entrar de serviço e ainda queria conviver mais um ano connosco (a falta a um serviço no batalhão, provavelmente, daria uma pena de prisão e transferência de companhia)! E apressou-nos. 

Chegámos mesmo a tempo do Vitorino mudar de roupa e ir ter à parada para a rendição. O Reis e o Santos, ainda foram tomar um banho fresco e dormiram até à hora do jantar (almoço para quê?). Se não fosse a "porcaria" do serviço de Sargento Dia, teríamos ido até à Ilha de Luanda, tomar um banho de mar na praia, ver o nascer do sol ao raiar da aurora e talvez dormir na areia.

À direita, o Vitorino (estava de Sargento Dia, mas em Nambuangongo)
À esquerda, o Santos e ao centro o 2º sargento Braga, "o pistoleiro"
F. Santos -  Memórias de Angola
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

2 comentários:

  1. Adorei essas peripécias também passei por elas e bem divertidas, pelo strip-tease, pelos fados no Bambi, recordo que numa madrugada entramos lá já bem aviados quando uma fadista entoada um dos seus fados, e diz um colega logo à entrada: «à ganda fadista», não é que ela parou e foi a chorar para o camarim, um responsável levou-nos ao interior para pedir desculpa, tudo acabou em bem ela a cantar o fado e nós de joelhos à sua frente a chorar, ganda cena. Petiscos à beira da Mutanda tínhamos a Biker, gratuitos a partir das 17h, para os consumidores de cerveja, todos os petiscos passavam por uma linha junto à caixa registadora para onde nós íamos marcar lugar logo às 16h para temos oportunidade de ir distribuindo uns aos outros, os camarões, petingas, choco frito e outros, só saíamos de lá por volta das 19h bem jantados, como devem calcular, não sei se no vosso tempo ainda existia essa cervejaria, estou a reportar-me aos anos 64/65

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    1. Amigo, vim de Luanda em novembro de 1976,como civil, e a Biker existia, sim. Por sinal de um amigo meu da velha guarda, o Sr. Passos, antigo funcionário da Empª Diogo & Coª, Lda., mesmo por de trás da Biker.

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