O Musseque
do Cazenga, bairro da periferia de Luanda, como tantos outros existentes nesta
cidade. O Batalhão de Caçadores 2872, batalhão de intervenção, estava aquartelado
no Campo Militar do Grafanil, tinha por missão o patrulhamento destes bairros
que eram constituídos por casas térreas de barro, sem grande organização, e com
ruas de terra batida. A polícia fazia a segurança na cidade, onde existia o
comércio e habitações dos europeus, a cidade europeia. As patrulhas militares destinavam-se
a manter a presença militar nestes bairros e eram feitas usando armas automáticas
de guerra, nada de pistolas (as pistolas eram usadas, às vezes, pelos graduados, que chefiavam as patrulhas). Estas patrulhas serviam para tentar detetar movimentos de
guerrilheiros, vulgo "turras", no seu interior e manter a ordem.
Foto
de Manuel Pimenta extraída dum slide: vista geral do bairro Cazenga nos anos
69/70
Seria 3 horas da manhã, duma data que não consigo
precisar, mas seguramente do ano de 1970, soa o toque de alvorada no Batalhão
de Caçadores 2872. O que se preparava? Eu pelo menos não sabia, mas a companhia
1782 do batalhão 1930, teria sido informada duma missão muito diferente da que veio acontecer. Esta companhia
estava adida ao nosso batalhão, no serviço de intervenção, fazia todas as
missões como qualquer companhia pertencente a esta unidade. Numa passagem do
livro do Batalhão 1930, pode ler-se na página 316:
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"...em formatura geral, pediam-se voluntários na
Companhia 1782 e no Batalhão 2872 para participar como figurantes numas
filmagens, lá para a barra do Cuanza, a horas desusadas e clandestinas,
exactamente na companhia dessas artistas recém-chegadas à capital de Angola.
Seria um filme ousado, com cenas violentas e doces, sobre a história do terrorismo,
para correr Portugal e o mundo.
A tarde desse dia foi estranhamente atarefada. Com
sonhos de sorrisos doces, entre conversas de ensaio imaginário e lances
aventureiros, engraxavam-se botas, alisavam-se fardas, camuflados e lencinhos.
A altas horas da noite chegaram as viaturas para a
numerosa tropa voluntária avançar.
"Como furriel mais antigo - conta o fur. enf.
António R. Morais - eu ia a comandar uma viatura. E a certa altura, o condutor,
também todo engraxadinho e que era da Região Militar de Angola, começa a gozar:
-Ó meu furriel, vocês caíram como patos.
- Porquê?
-Vocês vão fazer uma batida aos musseques e não é
nada de filmagens.
Efectivamente, tratou-se de uma batida ai pelas 3/4
horas da manhã em colaboração com a polícia. Por secções, a tropa fazia o cerco
ao musseque e esse cerco ia-se apertando ou comprimindo. A polícia arrombava as
portas e entrava por lá dentro a fim de identificar as pessoas. Foram apanhados
tipos suspeitos, sem documentação ou fugidos à justiça. Muitos foram levados
para a prisão."
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A nossa companhia, a Companhia de Caçadores 2505,
participou com todos os efetivos nesta operação, onde terá participado a
CCS - Companhia de Comandos e Serviços, não tenho a certeza se participou. A nossa missão
consistia, tão só, em cercar o bairro, sem deixar qualquer passagem a não ser a
de controlo.
Lembro-me que
comandei uma secção, colocada na extremidade norte do bairro, onde passava uma vala.
As instruções consistiam em indicar às pessoas, que eram retiradas das casas, para
seguirem pela direita até à saída. A polícia participou sob orientação dos
civis (na altura não imaginávamos quem seriam, hoje, podemos fazer conjeturas),
tiravam toda a gente do interior das habitações. Na saída era feito o controlo,
dos habitantes do bairro, pelos referidos polícias e civis. Quem não tinha documentos
ia para as viaturas (camiões e camionetas - vulgo "machibombos"), mas
houve também quem tivesse documentos que seguiu para as viaturas e o seu destino
terá sido o Governo Civil.
Foto
de Manuel Pimenta extraída dum slide: Bairro Cazenga
O que aconteceu no Governo Civil não pudemos testemunhar,
mas a esta distância não será difícil imaginar!!!
Operações deste tipo, só me recordo desta, mas seria
habitual, de tempos a tempos, serem efetuadas. Partiriam de informações recolhidas
no interior do musseque, da presença de dirigentes dos movimentos guerrilheiros,
que estariam de visita ao bairro, para rever familiares, recolha de fundos e de
mantimentos. Passariam nos postos de controlo da rede, com identidades falsas, iludindo
assim a vigilância.
F. Santos - Memórias de Angola
14 de janeiro de 2018