Este texto é dedicado ao Salvador e à
Maria da Conceição
A casa do meu tio João ficava, mais ou menos, a 100
metros da minha casa. Lembro-me de ir à sua casa, não para falar com ele, mas
com a minha prima Maria da Conceição Bica, mais velha do que eu 11 ou 12 anos.
Para chegar à casa passava por um carreiro, entre o valado e a propriedade:
seguia até uma alfarrobeira, situada à esquerda de quem subia; aí havia um
problema, o meu tio tinha um cão (sempre um cão no meu caminho), apesar de
preso, conseguia chegar a qualquer lugar desse espaço por onde eu tinha de
passar. Por este carreiro passei algumas vezes, no entanto, não era o que
utilizava preferencialmente, teria de apanhar o cão descuidado e passar numa
corrida, o que não era fácil. A alternativa era seguir pelos terrenos da minha
avó até ao cimo, passando pelo forno da cal, ir até à eira do meu tio, que se
situava nas traseiras da casa. Era este o caminho que fazia com mais frequência.
Casa do meu tio João Anselmo
(na janela do lado direito era
onde se situava o atelier de costura da minha prima)
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O meu
tio tinha comprado uma máquina de costura para a minha prima, depois de ela ter
frequentado um curso de "corte e costura". Com ela trabalhavam
algumas raparigas, como aprendizes, que não consigo passados todos estes anos
lembrar-me quem eram, para chegarem ao nível da mestra, naquela arte. O
"atelier" situava-se do lado direito da casa e tinha uma janela para
a rua. Em frente existia uma cisterna para apanhar a água da chuva. Eu
deliciava-me a ver as meninas a chulear as peças que a minha prima cortava e depois
cozia, ficava encantado. O meu interesse não estava só em presenciar as meninas
e as várias fases de confeção dos tecidos, era também nos mimos com que a minha
prima me presenteava e as guloseimas que me oferecia: rebuçados, bolos que a
minha tia Ermelinda fazia e a minha guloseima preferida: pão com azeite e
açúcar; brincava, ainda, na eira que se situava nas traseiras da casa e debaixo
da oliveira que existia ao lado.
Máquina de costura da minha prima
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Era tempo de Carnaval, não sei se
já existiria algum namorico às escondidas, entre os dois, antes desse tempo,
mas terá sido ali, nesse dia, na casa do meu tio João Anselmo, que tudo começou
duma maneira mais a sério.
Esta "estória" envolve, uma pessoa que eu
não conhecia até essa data, porque não era de Torre e Cercas, mas sim do Vale
da Vila, o Salvador. Numa terça-feira de carnaval, dum ano que já não me
recordo, mas eu não andaria ainda na escola ou teria começado nesse ano letivo,
portanto 1954 ou 1955, nessa ocasião, o meu tio colocou em frente à casa umas
mesas, onde oferecia um banquete, uma tarde de convívio, era um dia de festa. A
meio da tarde chegaram ao local alguns rapazes mascarados, que eu não conhecia,
soube depois que eram do Vale da Vila e fizeram as "macacadas" do
costume. A certa altura um tirou a máscara, tinha a cara pintada e desenhado um
bigodinho preto (hoje tenho dúvidas se era pintado ou real, porque a foto que a
Dália me ofereceu, lá está o bigodinho, que não me passou despercebido nessa
altura). Só mais tarde vim a conhecer esse rapaz, porque no dia seguinte
apareceu no monte, de cara e roupa, todo lavadinho, à "pipi", como se
costumava dizer, era o Salvador. Nessa ocasião conversou, primeiro com os meus
tios, depois com a minha prima, nessa altura, não percebi nada do que ali se
passava. Voltou nos dias seguintes, mas agora quase só falava com a minha
prima, entendi que se tratava dum namoro a sério, eu gostava dele, tratava-me
bem e apaparicava-me, era um primo simpático, um primo perfeito.
A minha prima Maria da Conceição e o Salvador
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Algum tempo depois casaram e assisti
em Torre e Cercas ao nascimento da Dália. Quando saí da charneca, teria ela uns
2 ou 3 anos (falei com a Dália recentemente: terão ido viver para o Vale da
Vila nessa altura), voltei algumas vezes a Torre e Cercas, visitava a minha
prima, mas com o passar do tempo, apenas passava pela casa do meu primo Vítor
Simões, também ele primo da Maria da Conceição, talvez ela já não morasse, em
Torre e Cercas.
Prima, gostava de estar contigo, de
falar-te de muitas coisas que vivi em Torre e Cercas, eras para mim uma
"irmã" mais velha, irmã que eu não tinha, foi esta a maneira que
encontrei de te dizer parte daquilo que foi a minha convivência contigo e para te
homenagear a ti e ao Salvador, duas pessoas de que gosto muito e que me são
queridas.
F. Santos - Memórias de infância
27 de agosto de 2018