(Como deixei de os usar...)
Na charneca de Torre e Cercas, os
meninos e meninas, nos primeiros anos de vida, usavam um bibe, que era igual
para ambos os sexos. Era uma peça de vestuário muito prática, principalmente
para as mães e as avós.
Bibe
unissexo de xadrez azuis
Noutros textos de memórias já falei da
minha relação e admiração pelo meu tio Manel (Manuel Anselmo), que para mim era
o meu grande exemplo. Talvez o exemplo não estivesse de acordo com o que seria
aconselhável, mas era ele que sempre me apoiava, tanto nas coisas boas que eu
fazia, como nas "trapalhadas" em que me metia, era nesse sentido o
meu "porto de abrigo", o que ele dizia para mim era lei.
Até aos 3 anos eu andava sempre
de bibe, nem o despia para dormir. Teria uns dois ou três, despia uns, vestia
outros, que por sinal eram todos iguais. De calças, só no inverno e mesmo assim
com o bibe por cima, de calções com suspensórios só em dia de festa, quando
tínhamos visitas, passeios a outras localidades, Monte Boi - São Bartolomeu de
Messines, onde se situava a casa dos meus avós paternos, ou a Silves, cidade
que raras vezes visitava.
Teria os meus 3 anos de idade,
estava nessa ocasião fardado com o insubstituível bibe, nessa ocasião o meu tio
visitou-nos, numa noite de fim de inverno ou princípio de primavera, para um de
muitos serões que aconteciam na cozinha da minha avó. Sentei-me no colo dele, o
meu primo que tinha quase 2 anos a mais do que eu, não devia gostar nada desta
situação. Passemos à parte que mais interessa, diz-me o meu tio: "então já és um homem e ainda andas com
bibes de meninas!"; - eu respondi: "a
avó só me veste os bibes!" - a minha mãe que estava ali por perto, com
ar de chateada interpela o meu tio: "mano,
não digas essas coisas ao 'mecinhe'". O bibe já não era novo e na cintura tinha um buraquinho que cabia
um dedo, então, ele aproveitou para me envenenar contra o bibe e em surdina
diz-me: "olha! Quando saíres pedes
para não te vestirem o bibe, se te vestirem, vês este buraquinho aqui, no
caminho, metes o dedo aí e rasgas o bibe todo".
Passado
algum tempo a minha avó foi lavar à ribeira, estava com pressa, vestiu-me com a
"farda" habitual, eu bem refilei que queria ir de calções, mas ela nem tomou
conhecimento e lá fui eu de bibe. Pelo caminho eu ia sempre atrás e resmungava
que não queria o bibe, comecei a chorar, mas nada, ela ia impávida e serena,
até que eu lembrei-me da receita do meu tio, apliquei-a tal e qual ele me
aconselhou (sempre aprendi depressa), meti o dedo no buraquinho e foi tão fácil
que ficou feito em dois. Aí chorei mesmo a sério, levei umas nalgadas no rabo e
tive de ir até à ribeira "demplão" (todo nu) e voltei com outro bibe
que entretanto foi lavado e enxugou enquanto a minha avó lavava o resto da
roupa.
Talvez por eu fazer grandes
"fitas" sempre que me vestiam com aquela indumentária, o certo é que
esta estratégia do meu tio resultou. A partir dessa ocasião, ou pouco tempo
depois, deixaram de me vestir aqueles bibes horríveis.
F. Santos - Memórias de infância
29 de novembro de 2018