(O assalto ao cofre da companhia)
Em finais de agosto ou princípio de setembro de 1970, iniciámos a marcha que nos levaria de Luanda até ao Canage, com passagem por Cangumbe e posteriormente até ao Lungué-Bungo, com alguns dias estacionados no Lucusse), localidades do distrito do Moxico, na Região Militar Leste. Esta viagem teve várias etapas no seu percurso: inicialmente em coluna motorizada; lembro-me duma paragem um pouco antes duma ponte, onde pernoitamos na primeira noite, seria no Dondo ou na Catumbela, mas não posso afirmar que tenha sido numa destas localidades. A memória desta caminhada está um pouco enevoada.
Em finais de agosto ou princípio de setembro de 1970, iniciámos a marcha que nos levaria de Luanda até ao Canage, com passagem por Cangumbe e posteriormente até ao Lungué-Bungo, com alguns dias estacionados no Lucusse), localidades do distrito do Moxico, na Região Militar Leste. Esta viagem teve várias etapas no seu percurso: inicialmente em coluna motorizada; lembro-me duma paragem um pouco antes duma ponte, onde pernoitamos na primeira noite, seria no Dondo ou na Catumbela, mas não posso afirmar que tenha sido numa destas localidades. A memória desta caminhada está um pouco enevoada.
Foto do ex-furriel miliciano João Merca, tirada a 27 de dezembro de 1969,
numa escolta de
Luanda para Nova Lisboa, no dia seguinte ao nosso regresso do Dange
Antes
de embarcarmos no comboio que nos levaria até à estação de Cangumbe, etapa
seguinte, ainda pernoitamos na cidade de Nova Lisboa, atual Huambo. Em Cangumbe
assentamos arrais e a partir daí participámos na operação "ESCOVAR",
combatemos, patrulhámos, reconstruímos pontões, abrimos picadas, recolhemos
populações e reorganizámos o quimbo do Caminhão.
Foto
do ex-furriel miliciano Adelino Brandão: Cangumbe - Será um edifício
administrativo
Foto
enviada pelo Furriel Miliciano Adelino Brandão: comboio que nos levaria até
Cangumbe
Foi nesta localidade, onde montamos o nosso acampamento, que em véspera de pagamento dos ordenados ao pessoal, se desenrolou a 1ª fase do testemunho que vamos relatar: 3 condutores da companhia, o Regalado, que seria o chefe do grupo, o Frade e o Baldas, resolveram assaltar o cofre que se encontrava na tenda da secretaria e subtrair todo o dinheiro que lá se encontrava, levando também algumas garrafas de Whisky.
- Na versão do Baldas, em conversa recente, diz que não era isso que tinham programado, o que tinha sido pensado era um assalto à tenda do comandante do batalhão, como represália, por este, na noite anterior, se ter apoderado duma G3 que estava na tenda destes militares e que pertencia ao Frade, o que causou uma chamada de atenção do comando para a falta de segurança -. Ficou por aqui a advertência!
Ainda na versão do Baldas: - o Regalado terá dito que isso só iria trazer chatices e que o melhor
seria assaltar o cofre da companhia. - Após concordarem com a ação a
desenvolver, os 3 consumaram o assalto. Foram subtraídos cerca de 150 mil
escudos (para se ter a noção do valor, podemos aferir pelo vencimento dum soldado
em Angola, que era de cerca de 400 escudos por mês) e algumas garrafas de
Whisky -.
Terei sido o primeiro, ou um dos primeiros, a saber
do assalto porque na manhã do dia seguinte, como trabalhava na secretaria com o
1º sargento Raínho, a primeira coisa que ele me disse com ar de preocupação e em
segredo foi que o cofre tinha sido assaltado e retirado de lá o dinheiro dos
vencimentos do pessoal.
A versão comunicada para o atraso no pagamento dos
ordenados foi: com a viagem para o Leste, ainda não tinha chegado o dinheiro,
que teriam de aguardar mais alguns dias e quem não tivesse dinheiro, podia comprar
na cantina a crédito. A situação do pagamento dos vencimentos foi resolvida com
alguns empréstimos de outras companhias. Terá também sido feita a participação
para as estruturas superiores.
Foto
enviada pelo ex-furriel miliciano Adelino Brandão: Estação
Cidade
do Luso - anos 70 (atual Luena)
No dia
seguinte prosseguimos a viagem até o nosso destino, o Canage, onde construímos
um acampamento junto ao rio do mesmo nome. Tínhamos como missão, a proteção
próxima e afastada dos trabalhos de construção da futura estrada que ligaria, nos
cerca de 400 Km, o Luso a Gago Coutinho.
Foto
do ex-furriel miliciano J. Merca: acampamento do Canage
Foi a partir deste acampamento que teve início a fase final do testemunho, que agora recordamos: numa coluna com destino ao Luso, aconteceu um facto não habitual, cada viatura (berliet) levava dois condutores, seguiu nesta coluna também o furriel mecânico-auto, Zé Francisco. O Regalado, o Baldas e o Frade conduziram as viaturas, com outros 3 condutores a seu lado, a justificação para terem seguido estes condutores foi: que iríamos receber 3 viaturas novas naquela cidade. Na cidade do Luso, os suspeitos foram conduzidos pelo Furriel Zé Francisco até às instalações, que segundo a versão do Baldas seriam, da PIDE/DGS, onde estavam uns senhores à civil, que levaram-nos para uma sala onde foram interrogados, um de cada vez, e, ficaram à guarda da "Polícia Judiciária"?
Pensávamos, que a descoberta, teria sido feita através
duma investigação do comandante de companhia, com os seus informantes, a
desvendar toda esta teia que envolveu os militares que assaltaram o cofre. No
entanto e ainda na versão do Baldas: - não
terá sido bem assim (mas não deverá andar muito longe disso), diz ele que não dormia bem desde esse dia,
e, numa noite de insónia, abeirou-se dum posto de viga, onde estava de serviço um
amigo seu, desabafou com ele, narrando-lhe a sua versão que transcrevemos
quando do assalto -. Ainda nas palavras do Baldas: - terá sido o Regalado a ficar com todo o dinheiro, ou quase todo,
restando para ele e para o Frade as garrafas de bebida. Conta o Baldas: - que quando chegou ao Luso viu logo que
estavam tramados e que a primeira pergunta feita pelo senhor à civil, no
interrogatório, foi: - qual a marca de Whisky de que ele gostava! Pensou:
"já descobriram tudo!"! -
Ponte
do Lungué-Bungo
No testemunho do Baldas: - foram julgados pelo tribunal militar e punidos com 15 meses prisão, inicialmente numa prisão militar no Luso, até o batalhão ter regressado a Portugal, depois foram entregues à Penitenciária de Luanda, onde cumpriram o resto da pena e foi colega de cela do Frade, refere ainda, que o Regalado cumpriu pena à parte, mas nunca mais o viu desde o julgamento.
Do Regalado, desde que saiu do Canage, nunca mais soube
nada dele, fui informado, por um camarada, que falecera há algum tempo.
O Frade depois da libertação, terá emigrado para os
Estados Unidos? Também nunca mais contactei com ele.
Nota: Os nomes que estão neste testemunho são fictícios.
Veja também a sátira baseada neste testemunho: Cronologia do assalto!
F. Santos - Memórias de Angola
10 de dezembro de 2018