Na Escola Industrial e Comercial de Silves, nos anos 60, aconteceram
muitas “estórias”. Passados mais de 50 anos, achamo-las engraçadas. Vou tentar passar
para o conhecimento público, algumas dessas “estórias”, que tive conhecimento,
começando por relatar aquelas que presenciei mais de perto. Nas narrativas
destas primeiras “estórias” serão visados 3 professores, que não vou mencionar
os nomes, usando para isso, nomes fictícios. Os alunos envolvidos serão também
conhecidos por nomes diferentes daqueles que os pais ou padrinhos encontraram para
serem conhecidos quando vieram a este mundo.
Primeira estória
A professora de
contabilidade “Graziela”
Um livro de contabilidade
A professora “Graziela” já não era uma jovem, tinha chegado à
escola naquele ano letivo, laureada com o diploma de curso de “Económicas e
Financeiras”, era esposa dum empregado bancário, que ao serviço do banco, tratava
das contas.
No ano anterior um aluno, o “Baldas”, tinha-se revelado nas
aulas do professor Barracha, como um aluno com especial apetência para resolver
todos os problemas de cálculo e contabilidade. Este aluno teve durante todo
esse ano, na disciplina de contabilidade, a nota mínima 20 valores. O professor
Barracha no seu jeito brincalhão, sempre deixava os seus exercícios para o fim;
quando só tinha o exercício do “Baldas”, interrogava a turma, qual seria a sua
nota; ao que a turma no 1º exercício do ano, respondeu com as mais variadas
classificações, não atingindo a nota do aluno; o professor puxando os
suspensórios para cima (as calças subiam quase até aos joelhos), como era seu timbre,
exibindo as folhas do exercício num salto, anunciava a nota: “20”. Nos
exercícios seguintes, quando o professor fazia a mesma pergunta, toda a turma
em uníssono respondia: “20”, ao que ele invariavelmente retorquia com os mesmos
gestos de sempre: “não foi tanto, foi só 20”.
O “Baldas”, devido às jogatanas de futebol na cerca da feira,
acabou por chumbar por faltas, nas disciplinas de línguas estrangeiras (mesmo que
não tivesse as faltas suficientes para chumbar, talvez chumbasse na mesma), o
que o levou a ter de repetir esse ano, no ano letivo seguinte.
Voltando à nossa professora “Graziela”, que não fazia jus ao
diploma que trazia, talvez por falta de prática, ou algum esquecimento dos
conteúdos que certamente teria adquirido durante o curso, dominava mal a
matéria. No entanto, era uma professora muito rigorosa no cumprimento da
pontualidade. É aqui que começa a primeira “estória cómica”: O “Baldas” durante
as aulas ia resolvendo as dificuldades da professora, mas com o passar do tempo,
apercebeu-se que poderia tirar proveito disso (armado em Xico Esperto); começou,
então, a ficar sempre uma questão por resolver para a aula seguinte, com a professora,
no final, a rematar: “vamos todos resolver em casa e na próxima aula, veremos
quem acertou”; o “Baldas” ia sempre trazendo a resolução da questão em causa; a
professora que era exigente na pontualidade, já tinha marcado muitas faltas por
atrasos; até que o “Baldas” começou a chegar atrasado, às aulas, cerca de 10
minutos; a professora deixava-o sempre entrar; a determinada altura, os alunos
que se encontravam na sala, virada na direção da Cooperativa Agrícola, caminho
que o aluno percorria diariamente, iam para a janela esperando que ele
aparecesse, “qual manhã de nevoeiro”, quando na rampa que descia na direção da
escola, aparecia o “Baldas”, a professora, que não escondia o nervosismo,
suspirava de alívio.
Segunda
estória
1º de Maio
(Origem
do 1º de Maio: depois de várias ações na primeira metade do século XIX, nos
Estados Unidos, é convocada uma greve nacional para exigir a redução do horário
de trabalho para todos os assalariados, “sem distinção de sexo, ofício ou
idade”’. A data escolhida foi 1º de Maio de 1886. Esta greve culminou com os “8
mártires de Chicago”. A morte destes líderes operários não foi em vão. No dia
1º de Maio de 1890, o Congresso dos EUA regulamentou a jornada de oito horas
diárias de trabalho.)
A professora “Bonitinha” era muito jovem, não me recordo se
seria o seu 1º ano como professora. Em vésperas do 1º de Maio, implorou-nos que
não faltássemos às aulas nesse dia, até chorou (talvez tenha sido ameaçada), depois,
dizia ela: podíamos faltar a outra aula a seguir, que não nos marcaria faltas.
A grande maioria dos alunos daquela turma, não se
impressionou com as lamúrias da professora, faltou nesse dia e foi “comemorar”,
fazendo uma caracolada na foz da ribeira do Enxerim, no Rio Arade. Um colega,
que o pai era proprietário duma taberna, levou um garrafão de vinho, o mais
certo, sem o consentimento dele. Começamos as “comemorações” por volta do
meio-dia e prolongaram-se pela tarde. A festa foi rija e como não estávamos
habituados a beber, a dose foi demasiada, e, desde o local do convívio até
junto a um poço nas proximidades da Cruz de Portugal, foi um calvário, com
muitos dos convivas a chamar pelo “Gregório” durante o trajeto, o que me veio a
acontecer mesmo junto ao referido poço: estava sentado, quando me levantei tinha
a camisa e as calças num estado, que não era muito aconselhável apresentar-me assim
em casa (tive de escolher a melhor altura para entrar e iludir a vigilância).
A professora não veio sofrer qualquer represália, porque
nesse dia a sala de aulas não foi visitada por ninguém. Também os alunos não
foram incomodados, porque a professora não lhes marcou faltas (queria era
esquecer). Foi como se tudo tivesse decorrido normalmente. Não me lembro, se
mais tarde, voltámos a falar deste acontecimento.
Terceira
estória
Apanhar caranguejos e chumbo na pauta!
Caranguejo
Todos os alunos, que andaram na Escola Industrial e Comercial
de Silves, na década de 60, conheceram os métodos do professor “Razalas Júnior”.
A disciplina que lecionava não tinha exercícios, a avaliação era feita através
de chamadas orais, que decorriam à velocidade da “luz” (tu.. tu.. tu..tu..
tu…….).
O “Nabo” era um aluno que não convivia muito bem com estes
métodos supersónicos… Na penúltima aula, o professor marcou chamadas de
salvação, a serem realizadas na última aula, para um conjunto de alunos, onde
ele se incluía.
No dia marcado para a “salvação”, o “Nabo” combinou com um
amigo irem apanhar caranguejos para a ilha da Nossa Senhora do Rosário. Para
isso foram até à praça de peixe e pediram aos peixeiros, aquelas sardinhas que
estavam moídas, com cordas de sisal, serapilheira e canas, fizeram pandulhos,
artes que serviram para serem utilizadas na pesca. O amigo durante o caminho
tentou demover o “Nabo”, para que ele não fosse à pesca, porque tinha a
oportunidade de passar, naquela disciplina. O “Nabo, já meio chateado,
retorquia: “mexe-te e vamos é apanhar caranguejos”. E assim foi: a maré estava
a encher, muito boa para a pesca destes crustáceos; apanharam um balde cheio de
caranguejos; atiram os pandulhos ao rio e voltaram para casa. No dia seguinte,
o “Nabo”, soube que os alunos que tinham feito a chamada de salvação, tinham
passado, ele, inevitavelmente, apanhou um chumbo na pauta.
Os professores: um teve um fim trágico; os outros, não sei se
estarão ainda entre nós. Os alunos: estarão ainda todos entre nós, salvo algum
que participou nas “comemorações” do 1º de Maio, eventualmente, possa ter deixado
o nosso convívio.
Fotos da NET, sem indicação de autor
F. Santos – Memórias da Juventude
09 de setembro de 2019
PS. A razão para os nomes que aparecem, serem fictícios, tem
apenas a ver com uma decisão que tomei ao escrever este texto: não causar
qualquer constrangimento, ou algum mal-estar, em relação às pessoas envolvidas,
e, eventualmente, aos descendentes. Na mesma medida se alguma vez vier a
escrever sobre os professores “péssimos”, talvez venha a usar outros nomes,
mas, nessas memórias, quem andou naquela época na escola, vai identifica-los
com facilidade.
FS.