O que
nos salvou, foi passar a perna ao comandante de companhia!
1º Sargento Fernando Reis e Furriel Miliciano Fernando
Santos
Pesca na ilha de Luanda
Pesca na ilha de Luanda
“Em
consequência as nossas finanças ficaram em baixo e, tivemos de tomar uma medida
imediata, mudarmo-nos da residencial para a Messe de Sargentos, que ficava mais
longe da Baixa, mas sem custos”. Depois
deste episódio relatado no testemunho, “O
petisco que ficou caro!”, aquelas medidas apenas resolviam uma parte do
problema: por um lado não queríamos apresentar-nos nos “Adidos” para beneficiar
de alimentação gratuita, porque isso era sinónimo de serviços “certos” todos os
dias; por outro lado, o que nos interessava era continuar, até ao embarque, a
fazer as nossas noitadas e desfrutar dos saborosos petiscos que nos oferecia
esta bela cidade de Luanda.
Messe de Sargentos
de Luanda - anos 70
Na manhã do dia seguinte,
acordámos cedo. A minha cama ficava mesmo ao lado da do 1º Reis. Ele sentou-se
ao meio da cama virado para mim, com a cabeça baixa e as mãos a tapar o rosto.
Repentinamente, levantou a cabeça e disse: “Oh Santos, tenho a solução para o
problema!”, ao que eu questionei: “Qual
é meu primeiro?”; ele nem esperou muito e atirou: “este mês vamos passar a
perna ao capitão Carrilho!”; olhei para ele, de boca aberta e interroguei-o:
“mas como?”; ele esperou um pouco como se estivesse a decorar um discurso
convincente, de seguida, sem pestanejar, explicou a estratégia: “vamos vender
as bebidas de representação deste mês!”; sem me dar uma deixa fez logo uma
pergunta: “o que é que achas?”; fiquei indeciso, mas argumentei: “mas ele vai
querer receber essas bebidas!”; ato contínuo, desenvolveu logo o raciocínio:
“vamos dizer-lhe que este mês, por a comissão já ter terminado em maio, não
tivemos direito a essas bebidas”; ao que eu, sem pensar muito, respondi: “para
nosso bem e para lixar esse gajo, até fazemos uma festa!” e perguntei: “mas
onde vamos vendê-las?”, ele continuou: “temos de procurar um bar noturno que as
queira comprar e ao preço militar acrescido duma pequena percentagem, eles não
vão recusar”. Concordei de imediato.
Havia, no entanto, de encontrar
um bar noturno, o que para nós não era assim tão difícil, porque isso era o que
não faltava na nossa querida Luanda dos anos 70. Escolhemos um bar que se
situava na baixa. Já não me lembro, a esta distância no tempo, qual o bar
selecionado. Nessa mesma noite, decididos, pusemo-nos a caminho rumo a esse
bar. Quando chegámos ao bar, entrámos, tocava uma música de fundo que nos
levava a um embalar até às nuvens. Não estávamos ali para adormecer,
sentámo-nos numa mesa de dois lugares, próximo do balcão, numa fila junto à
parede a seguir à entrada. Do lado oposto as mesas eram compostas com mais
cadeiras. Mal nos sentámos, duas meninas acercaram-se da nossa mesa,
aconselharam-nos a mudar para outra mesa de 4 lugares, ficaríamos, assim, mais
à vontade. Acedemos, mas o 1º Reis sem deixar que a conversa se prolongasse por
muito tempo, tomou logo a iniciativa do “diálogo”: “hoje queremos falar com o
patrão!”, uma delas ainda argumentou com ar de muito convencida: “não pode ser,
o patrão hoje não recebe ninguém …”, ao que eu disse: “vá lá falar com ele e
diga-lhe que estão aqui 2 militares que querem propor-lhe um negócio!”. Assim
foi! A menina que menos tinha participado no diálogo, ainda que contrariada,
dirigiu-se para interior, uma espécie de reservado. Regressou ao fim de algum
tempo com a resposta: “podem entrar, o patrão vai recebê-los”.
Seguimos a menina até à porta dum
dos anexos. No interior desse anexo, ao fundo, sentado atrás da secretária, com
o cachimbo ao canto da boca, a atirar umas fumaças para o ar, estava um senhor
sisudo de meia idade com uma barriguinha bem nutrida, muito mais velho do que
eu e talvez mais velho do que o 1º Reis. Cumprimentámo-nos com um aperto de mão
e um sorriso disfarçado. O diálogo não foi longo, dissemos ao que íamos e perguntámos-lhe
se estava interessado no negócio. Depois de alguma conversa, acertamos o preço,
no final ele perguntou: “então quando vamos fazer a transação?”; retorquimos:
“quando o senhor achar por bem!”; ao que ele voltou a questionar: “pode ser
agora?”. Não esperávamos um negócio tão rápido, contivemos o nosso entusiasmo,
argumentamos em tom de pergunta e seguida duma exclamação: “como agora? Não
temos aqui as bebidas!”; então ele de imediato tranquilizou-nos: “não há
problema, vamos no meu carro, trago as bebidas, pago na hora, vêm comigo até ao
meu estabelecimento, onde serão meus convidados e esta noite será tudo por
minha conta!”. Terá feito um bom negócio, porque o preço terá sido bom para ele
e eram algumas caixas de várias marcas de Whisky e outras bebidas (doces e
gins).
E assim foi… Mais um problema resolvido, os petiscos
continuaram em Luanda. No dia 22 de junho de 1971, regressei a Lisboa no Vera
Cruz, o 1º Reis continuou em Luanda na comissão liquidatária da companhia, aí
terá informado o capitão Carrilho que naquele mês a manutenção militar não
tinha fornecido as bebidas de representação por ser um mês depois de terminada
a comissão. Pelo que vim a saber mais tarde, correu tudo bem…
F. Santos - Memórias de Angola
domingo, 28 de junho de 2020