segunda-feira, 7 de maio de 2018

"Festival da Canção do Dange 1969"

Na Messe de Sargentos, havia um gira-discos e várias dezenas de discos. O nosso tempo, nos intervalos entre operações, patrulhamentos e missões às fazendas Maria Fernanda e Maria Manuela, uns ouviam música, outros dividiam-se entre a música e a “batota” ou jogavam simplesmente às cartas, sempre na companhia das inevitáveis bebidas, que não faltavam no nosso Bar. Assim passávamos o tempo até altas horas.

Bar da messe de sargentos no Dange

Certa noite, ouvindo música, decidimos fazer um “Festival da Canção”, não me lembro de quem foi a ideia, talvez tenha sido do Whisky! Escolhemos cerca de 20 canções, fomos ouvindo uma a uma, durante mais de 1 hora. Passámos à votação, cada um votava na sua canção preferida. Quando chegou a vez do Furriel Zé Simões, verificámos que se encontravam empatadas 3 canções “Non Ho L’Eta” (vencedora do Festival Eurovisão da Canção 1964) de “Gigliola Cinquetti,  “When a Man Loves a Woman” (canção de 1966) de “Percy Sledge” e  "Monia" (canção de 1968) de Peter Holm. 

Contávamos, nessa noite, com a presença de uma figura ilustre que nos visitava com alguma regularidade, em
Dr. Abilio Mendes
serviço ou por amizade, o Doutor Abílio Mendes. Antes de continuarmos o nosso testemunho, convém falar um pouco, quem era o Doutor Abílio Mendes: alferes médico, que ao contrário da maioria dos oficiais médicos (colocados nas cidades ou nos hospitais militares), não beneficiava dos favores dos Altos Comandos; destacado na região dos Dembos (a menos de 4 KM do nosso acampamento), numa zona onde só havia mato; fazia parte da Companhia de Cavalaria “Os Centauros” estacionada junto à Ponte do Dange; gostava de confraternizar com os furriéis e sargentos da nossa companhia; visitava-nos com alguma frequência, e, a qualquer pretexto ali pernoitava; gostava do seu whisky; tinha um compleição gorducha e estava sempre bem disposto; era irmão do músico Carlos Mendes, que formara com Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Jorge Barreto, “Os Sheiks”  (apelidados na altura de “Beatles Portugueses”).

Agora que já sabemos quem era o nosso convidado especial, vamos continuar o nosso testemunho. Enquanto o Furriel Zé Simões tentava justificar a sua escolha, com argumentos que mais pareciam uma declaração de voto, o nosso Doutor interrompia-o com esta frase “Eh pá põe lá os Sheiks”, o Zé Simões tinha de voltar ao princípio na sua argumentação, isto aconteceu não sei quantas vezes, sempre com a mesma frase “Eh pá põe lá os Sheiks”,… finalmente terminámos a votação, e foi declarada como grande vencedora a canção “Non Ho L’Eta” de “Gigliola Cinquetti”. Esqueci por completo o que terá dito, o Furriel Zé Simões para justificar a sua escolha.

Depois de Sanremo - Itália e Copenhaga - Dinamarca, era agora a vez do Dange – Dembos/Angola, o terceiro “Festival”, em que esta canção triunfava. Como estava “regulamentado” e previamente combinado, a canção vencedora voltaria ao “palco” para receber os aplausos do público (que éramos todos nós), mas lá vinha a voz arrastada do nosso médico, já bem aviado com Whisky, “Eh pá põe lá os Sheiks”,… escusado será dizer que tivemos de ouvir durante a noite, aquele conjunto, várias vezes.

Terminado o serão, alguns amigos furriéis, que a esta distância de 46 anos, não me recordo quem foram, “transportaram” o amigo médico até aos aposentos do 1º Sargento Fernando Reis, onde pernoitou…

Chegou assim ao fim o “Festival da Canção do Dange 1969”. Se alguém se lembrar de outros pormenores deste ou de outros acontecimentos, pode fazê-lo nos comentários ou de preferência em novo testemunho.


Local onde se realizou o "Festival da Canção do Dange 1969"

F. Santos - Memórias de Angola
domingo, 18 de outubro de 2015

5 comentários:

  1. Foi nessa zona que o meu grupo de combate e a c.cav 1535 estivemos debaixo de fogo durante uma noite( 23 de Junho de 1966)

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  2. O Doutor Abílio Mendes,meu grande amigo e corregionário contra a estupidez daquela guerra,chegámos a ter a circular acusações de sermos senhores intelectuais que ali se instalavam no remanso,enquanto outros-recordo um snr major lá estacionado-que dizia ter de trazer os filhos calçados com botas de solas de pneu,porque não era nenhum intelectual como aqueles dois.Eramos como irmãos.Ainda está pendente um convite meu,para os dois irmãos que vivem em Lisboa e o sobrinho-neto conhecido cantor, que «cacei» certa vez em Aveiro,para cá virem ouvir da minha voz o relato verdadeiramente heróico da sua actuação na mata dos Dembos em 1969,

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  3. Erro-o sobrinho do Dr Abilio é só sobrinho.Saiu no texto informação errada,

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  4. Estive aqui no Fortim do dange em 1971

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