quarta-feira, 4 de julho de 2018

A minha avó e a necessidade de ter água em casa

(As minhas traquinices e tropelias não ajudavam nada ...)

Sempre morei com a minha avó materna (viúva), inicialmente, em Torre e Cercas, na casa que lhe pertencia por herança.  Conjuntamente com a casa também era proprietária de terras com alfarrobeiras, amendoeiras, figueiras e oliveiras. Nessas terras cultivávamos todas as sementeiras de sequeiro, trigo, favas "griséus", cevada e aveia. Mais tarde quando nos mudamos para o Monte Branco, fomos residir para a casa dos meus pais, ela acompanhou-nos sempre, até ao dia da sua partida para a última morada.

A minha ligação com a minha avó foi sempre grande, desde do meu nascimento era uma presença constante no meu quotidiano, ia com ela para todo lado: lavar na ribeira; carregar água; na visita aos parentes, espalhados por toda a charneca desde a Franqueira, passando pelo Vale da Vila até aos Queimados. Nesta área não havia nenhum conjunto de casas onde não tivesse  um primo, um sobrinho ou um parente um pouco mais afastado.

Em Torre e Cercas, na zona onde residíamos, só a chuva trazia alguma quantidade de água, proveniente das goteiras dos telhados. Para obtê-la  no espaço de tempo em que não chovia, tínhamos de providenciar o carregamento deste tão precioso líquido. Era na fonte da Fonte Figueira e em algumas noras que existiam ao longo ribeira que obtínhamos a água necessária para a lida da casa, com o  transporte a fazer-se pelo processo mais comum, o burro, cangalhas e cântaros. Eu apanhava sempre boleia neste transporte.

Fonte da Fonte Figueira (em ruínas)
Um nora na ribeira (abandonada)

Mas noutros dias em que não íamos à água com o burro, havia no lado nascente na direção da Franqueira, ao cimo da encosta um poço, onde a minha avó ia providenciar o carregamento de água. É aqui que começava sempre a odisseia desta memória: o caminho até ao poço não causava grandes problemas, com os  baldes vazios e eu (teria nessa altura 4 ou 5 anos) sob controlo; no regresso a minha avó transportava dois baldes cheios de água com uns 7 litros cada um; o caminho era íngreme, com veredas irregulares, curvas, pedras e algumas moitas por todo o lado; ela era obrigada a descansar algumas vezes durante o percurso por aquela encosta abaixo; mas o maior problema  era eu que não me sujeitava a ir junto dela, escondia-me nas moitas (carrascos e tojos e outros arbustes), saltava, caía e levantava-me e sacudia as mãos da terra; ela com toda esta  preocupação comigo, com tantos ralhetes pelo caminho, balouçava os baldes; ia entornando a água pela saia, meias e sapatos; chegava a casa toda molhada e com metade da água com que iniciara a viagem.

Hoje, admiro a paciência que ela tinha comigo, apenas ralhando e desculpando-me todas as traquinices e tropelias que eu aprontava, nesta e noutras situações.

 
Poço dos anos 50

Quando recordo a minha infância, mais do que os meus pais, a minha avó materna é minha referência, como figura sempre presente na minha vida. Tenho muitas saudades dela!
.
F. Santos - Memórias de infância
3 de julho de 2018

1 comentário:

  1. Com amor.....com muito amor. Eu, não conheci nenhumas das minhas avós, mas conheci as minhas duas bisavós. Muito bem narrado e com sentimento. Abraço.

    ResponderEliminar

Comente esta mensagem, com objetividade e respeito pelas outras opiniões.