imagem de Catrin Welz-Stein |
Numa tarde qualquer de dezembro,
estava eu muito sossegadinha, em casa, quando ouvi bater à porta. Eras tu.
Perguntaste-me sem peneiras: “Fazes anos
hoje, não fazes?”. Mas não, não fazia. Não me trouxeste flores, nem uma caixa
de bombons. Deves ter achado isso uma coisa foleira. Tiraste do bolso umas
letras às cores. Primeiro um A, o primeiro da palavra A+M+A+R. A seguir um M, o
único de amar. Depois outro A. O segundo de Amar. E por fim o R, o R do fim de
amar. Este gesto pareceu-me equivalente ao que se passa no domínio dos sonhos:
tudo o que é imaginável, dizem, pode ser sonhado, mas isto nem em sonhos me
tinha passado pela cabeça. Numa penada, todo o enigma ficou transparente para o
olhar como uma libelinha. Em silêncio, olhava-te muito nos olhos, especada de
espanto. Nisto chegou a minha mãe e tu voaste dali para fora e as letras voaram
contigo.
Éramos adolescentes e não
tínhamos qualquer história. Além disso, na minha geometria sobre o Amor, eu era
uma pessoa impreparada para amar. Por isso, aquilo, para mim, teve um carácter
de novidade tão grande que me pareceu uma cena saída de um filme de ficção
científica.
O que te posso dizer é que aquele teatro que fizeste à minha porta “mexeu comigo”. Fiquei convencida de que estávamos unidos por uma paixão súbita, única e secreta. Essa certeza era bela, mas o que fizeste aproximou-nos e afastou-nos, tudo ao mesmo tempo: passei a evitar cruzar-me contigo e tu, durante muito tempo, não trocaste uma única palavra comigo. Daí que a incerteza de tudo fosse ainda mais bela.
Leonor