sábado, 21 de dezembro de 2024

Numa tarde qualquer de dezembro

imagem de Catrin Welz-Stein

Numa tarde qualquer de dezembro, estava eu muito sossegadinha, em casa, quando ouvi bater à porta. Eras tu. Perguntaste-me sem peneiras:  “Fazes anos hoje, não fazes?”. Mas não, não fazia. Não me trouxeste flores, nem uma caixa de bombons. Deves ter achado isso uma coisa foleira. Tiraste do bolso umas letras às cores. Primeiro um A, o primeiro da palavra A+M+A+R. A seguir um M, o único de amar. Depois outro A. O segundo de Amar. E por fim o R, o R do fim de amar. Este gesto pareceu-me equivalente ao que se passa no domínio dos sonhos: tudo o que é imaginável, dizem, pode ser sonhado, mas isto nem em sonhos me tinha passado pela cabeça. Numa penada, todo o enigma ficou transparente para o olhar como uma libelinha. Em silêncio, olhava-te muito nos olhos, especada de espanto. Nisto chegou a minha mãe e tu voaste dali para fora e as letras voaram contigo.

Éramos adolescentes e não tínhamos qualquer história. Além disso, na minha geometria sobre o Amor, eu era uma pessoa impreparada para amar. Por isso, aquilo, para mim, teve um carácter de novidade tão grande que me pareceu uma cena saída de um filme de ficção científica.

O que te posso dizer é que aquele teatro que fizeste à minha porta “mexeu comigo”. Fiquei convencida de que estávamos unidos por uma paixão súbita, única e secreta. Essa certeza era bela, mas o que fizeste aproximou-nos e afastou-nos, tudo ao mesmo tempo: passei a evitar cruzar-me contigo e tu, durante muito tempo, não trocaste uma única palavra comigo. Daí que a incerteza de tudo fosse ainda mais bela.

 Leonor

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