(O fascínio pelo mar na infância)
Caminhando na praia de Quebra Canela, na Cidade da
Praia, em Cabo Verde, o pensamento viaja
através dos mares e detêm-se no Algarve, na longínqua localidade de
Torre e Cercas, no concelho de Silves. Estas caminhadas diárias, durante cerca
de 2 horas, levam-me até à minha infância, nada melhor do que este cenário, para
recordar este passado distante e tão próximo, o que era na década de 50 do
século passado, as raras visitas a instâncias balneares e termais.
Essas idas à praia e às termas, na década de 50, entre
os meus 3 e 11 anos, resumia-se a 3 viagens: uma às festa de Nossa Senhora dos Navegantes em meados de
agosto, em Armação
de Pera; outra às festas da Nossa Senhora da Encarnação, em Carvoeiro, no
concelho de Lagoa, no último domingo de agosto; no final do verão, já em setembro,
a viagem até às termas das Caldas de Monchique.
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Festas
de Armação de Pera - Foto: Blogue
Cidadania - Armação de Pera |
O meu
pai possuía uma carroça, puxada por uma mula, que era utilizada nas tarefas
agrícolas e transporte de produtos: as azeitonas para o lagar e no regresso
trazia o azeite; os peros de Monchique (maças) para vender na feira; os cabazes
de laranja até ao local onde os camiões os recolhiam para transportarem ao
destino final, o mercado abastecedor de Lisboa. Nestas ocasiões a carroça era transformada
em transporte de passageiros e engalanada com flores, até a mula levava um
colar de flores no malhim. Era ainda colocado um teto para nos proteger do sol
e do vento e aí estava o transporte que nos levava para as festas: eu; o meu
pai; um tio ou primo da minha mãe; a minha mãe; a minha avó materna; mais um ou dois passageiros, num total máximo
de 8 pessoas.
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Foto
de Artur Pastor: Carroça |
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Foto
de Fernando Augusto, onde se pode ver o malhim já enfeitado para a ocasião |
Os preparativos para a viagem começavam dias antes,
mas era na véspera que a minha mãe preparava o farnel para o dia de festa:
frango frito; arroz branco; pastéis de bacalhau ou de peixe; peixe seco e o
inevitável garrafão de vinho tinto para os homens, que viajavam connosco e amigos
que sempre apareciam. Já no local da festa havia uns senhores que vendiam polvo
seco, que assavam nas brasas. A minha mãe comprava algumas pernas para juntar
ao farnel.
Chegados ao local da festa, o meu pai e o outro
adulto do sexo masculino, depois de estacionar o carro e abastecer com a ração para
o animal, deslocavam-se às tabernas onde iam bebendo mais uns copos, porque nesta
época não corriam o risco de ficar sem a carta de condução!!! Eu e as mulheres
bronzeávamos na praia ou, como no meu caso, dormiam na barraquinha que
alugávamos por um dia.
Das festas da Nossa Senhora da Encarnação, em
Carvoeiro, no concelho de Lagoa não tenho recordações marcantes: lembro-me duma
rua que nos levava até a uma praia pequena, com barreiras enormes de um lado e
do outro. Para recordar fica aqui um escrito que descreve estas festas: "A
principal festa de cariz religioso em Carvoeiro ocorre no último domingo de
Agosto. Trata-se da festa de Nossa Senhora da Encarnação, uma celebração
religiosa tradicional que inclui uma missa e uma procissão pelas ruas da vila.
Há ainda uma homenagem por parte da comunidade de pescadores, que inclui a
bênção das suas embarcações." Fonte:
site Logitravel.pt.
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Foto:
Algarve-pela-lente-do-Senhor-Timóteo -Carvoeiro |
Da festa de Nossa Senhora dos Navegantes de Armação de Pera que se realizava em meados
de agosto, tenho algumas recordações: um mar enorme, sem fim; a agitação
própria dum dia de festa. No entanto, a recordação que mais me marcou foi: ao
início a da noite dirigíamo-nos para a
Fortaleza e daí contemplávamos as embarcações iluminadas e engalanadas e a
certa altura da noite, a partir dos
barcos era lançado o fogo de artifício, um espetáculo deslumbrante que me
encantava e sempre recordava. Terminado o fogo de artifício, era o caminho de
regresso, do qual não tenho grandes recordações, o dia tinha sido longo e não
dava para ver mais nada.
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Foto
da Net sem autor conhecido: Fortaleza de Armação de Pera |
A ida às termas era um pedido, quase uma exigência,
da minha avó materna, ela não podia
passar sem um banho nas termas, no final do ano e beber a água da bica, dizia ela
que era para purificar o corpo e a alma das agruras da vida e para lhe dar
forças para mais um ano de canseiras. Lembro-me de brincar nas várias correntes
de água fresquinha que existiam naquele vale das termas. O ritual de preparação
da viagem não era diferente do utilizado para a ida à praia.
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Foto:
Hugo Carriço -Termas das Caldas de Monchique |
F. Santos - Memórias de infância
Cidade da Praia, 15 de julho de 2018