Lefawn Hawk |
A,
Hoje
tentei encontrar-te para
te dizer que, apesar de estares de partida para Angola, o mais
importante dessa
viagem era o teu regresso a casa. Não te encontrei em nenhuma rua da
aldeia. Ao
início da noite, foste tu que vieste ter comigo e me disseste que o teu
embarque para a guerra era dali a dois dias, mas que tinhas de ir para
Lisboa
nessa noite. Ficámos, à minha porta, não sei quanto tempo, recebendo no
rosto a
luz das estrelas, sem dizer nada. A verdade é que não tínhamos o hábito
de conversarmos. Éramos hábeis no não dito, no toca e foge. Um dia, à
queima-roupa, perguntaste-me
gostas de alguém? Tratava-se, era bom de ver, de ganhares o jogo das
cadeiras, a
que gostávamos de jogar, ouvindo-me dizer: “sim, gosto de ti”. Ousei
segredar-te
ao ouvido: “sim”. “E tu?”. E, neste bailado, estávamos atentos para não
dar passos
em falso. Até porque os nossos encontros eram raros, breves e sempre
inesperados, mas muito divertidos.
Daí a instantes ias embora e
essa notícia era mesmo triste. Dois anos? Dois anos em Angola, disseste tu. E,
leve como um voo de ave, desapareceste em direção à tua casa. Aquilo que eu tinha
desejado, nunca iria acontecer: receber uma carta tua. Ainda assim, todas as manhãs,
à janela do meu quarto, esperava a chegada do carteiro. As cartas que trazia já
as tinha deixado para trás, e descendo a rua, desaparecia na última esquina,
sem deixar rasto. Leonor Santos