sábado, 24 de fevereiro de 2024

Monte Branco, 06 de maio, 1969

Lefawn Hawk
A,
 
Hoje tentei encontrar-te para te dizer que, apesar de estares de partida para Angola, o mais importante dessa viagem era o teu regresso a casa. Não te encontrei em nenhuma rua da aldeia. Ao início da noite, foste tu que vieste ter comigo e me disseste que o teu embarque para a guerra era dali a dois dias, mas que tinhas de ir para Lisboa nessa noite. Ficámos, à minha porta, não sei quanto tempo, recebendo no rosto a luz das estrelas, sem dizer nada. A verdade é que não tínhamos o hábito de conversarmos. Éramos hábeis no não dito, no toca e foge. Um dia, à queima-roupa, perguntaste-me gostas de alguém? Tratava-se, era bom de ver, de ganhares o jogo das cadeiras, a que gostávamos de jogar, ouvindo-me dizer: “sim, gosto de ti”. Ousei segredar-te ao ouvido: “sim”. “E tu?”. E, neste bailado, estávamos atentos para não dar passos em falso. Até porque os nossos encontros eram raros, breves e sempre inesperados, mas muito divertidos.

Daí a instantes ias embora e essa notícia era mesmo triste. Dois anos? Dois anos em Angola, disseste tu. E, leve como um voo de ave, desapareceste em direção à tua casa. Aquilo que eu tinha desejado, nunca iria acontecer: receber uma carta tua. Ainda assim, todas as manhãs, à janela do meu quarto, esperava a chegada do carteiro. As cartas que trazia já as tinha deixado para trás, e descendo a rua, desaparecia na última esquina, sem deixar rasto. Leonor Santos

10 comentários:

  1. Respostas
    1. Muitos parabéns!!!!; maravilhoso!!!!🤗❤️ Prazer! Grata...Elsa Brígida

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    2. Eu ainda não yinha namorado. Tive depois afilhados de guerra. Era engraçado receber os aerogramas e eles na guerra a pedirem para responder rápido, desejando saber noticias da nossa terra

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    3. Fantástico, como tu o sabes fazer. Brincas com as palavras e colocas-lhe sentimentos. Beijinhos para vocês.

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    4. Melancólicas lembranças que tempo não apaga. Como era Como era prazeiroso receber de alguém uma palavra, não de conforto ou lamento, mas manter um elo estreito com alguém da nossa terra q nos falasse naturalmente e na mesma linguagem das coisas que não sabíamos.
      Bem aventurados esses corações pela solidariedade e amôr ao próximo.

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  2. Revivendo, com mestria e arte, momentos indeléveis que nos martelam subconscientemnte.

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  3. No Natal de 69 n'a Guinée-Bissau pensei enviar um Aérograma para.uma
    Amiga mas não tive Coragem pois ainda faltava muito Tempo para o Regresso !!! Hoje vendo algumas Recordações eFotos encontre o que não Envei há 54 Anos.
    Se por Acaso Ouvires nas Horas sem Hora passos Incertos passant lá Fora não Chores mas Antes SORRI pois Sou Eu que Vagueio Sózinho e à Custo
    á Tua PROCURA .. BEIJO GRANDE
    M. PEDROSA

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  4. Parece que ainda estamos a viver em 1969. Quando chegava o aerograma era uma alegria

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  5. Mas de grane tristeza para os que lerpavam. Um abraço amigos. Estive com vocês no grafanil, de reforço á rede . Bat. Caç 1930.A. V.

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