Paquete
Uíje na partida do Batalhão de Caçadores 2872, a 8 de maio de 1969
Charneca de Torres e Cercas, na freguesia e concelho
de Silves, terra onde nasci, decorria o mês de agosto de 1947, precisamente no
dia 25. Aí permaneci até aos onze anos, frequentei neste período, o posto
escolar da Fonte Figueira, que distava da minha casa cerca de 4 Km, distância
que fazia a pé, ida e volta, de segunda a sexta-feira.
Aos onze anos fiz o exame de admissão à Escola Industrial
e Comercial de Silves, com aproveitamento. Os meus pais, matricularam-me
naquela escola, nesse ano, no 1º ano do ciclo preparatório. Para me facilitar a
vida, fixaram residência numa aldeia que fica entre a beira serra e o castelo
de Silves. Ali conheci muitos amigos, entre eles, o Abel Santos, com quem
partilhei muitas brincadeiras.
Casa
onde morei no Monte Branco - Silves
No dia 4 de maio de 1969, domingo, estive com este
amigo num baile do "marroquino", naquela aldeia, nesta ocasião, falámos
da tropa e de muitas outras coisas. Contei-lhe na altura que estava mobilizado
para Angola e que partia na quinta-feira seguinte, ele disse-me que ia para
Moçambique, mas não sabia quando partia para aquela província.
No dia 7 de maio de 1969, embarquei na estação de
Silves, no comboio com destino ao norte, fiz alguns transbordos até chegar ao
apeadeiro de Santa Margarida, no concelho de Abrantes, onde cheguei na
madrugada do dia 8 de maio de 1969. Ali aguardava-me o comboio, que me levaria
até Lisboa, para embarcar no paquete Uíge.
O Abel estava, naquele dia, no cais da Rocha de Conde de Óbidos,
local de partida com destino a Angola. Viagem atribulada: começou com enjoos e o
cambalear pelo barco como se estivéssemos com uma bebedeira; ao fim de alguns
dias passou e entramos na normalidade; os graduados tinham no navio instalações
aceitáveis (bar, salão de refeições e camarotes que os furriéis, no meio caso, dividiam
com outro camarada); as das praças já não posso dizer o mesmo; desloquei-me, ao porão do navio, num
dia em que estava de serviço de sargento dia, onde se
amontoavam estes militares, em condições deploráveis, para não dizer outra
coisa. Em consequência destas condições, havia muitos soldados que levavam os
colchões para convés, colchões, que para o final da viagem, não regressavam ao
local de origem, pois eram atirados ao mar, criando alguns problemas, porque a
nossa viagem demorou mais tempo do que o habitual (presume que com uma avaria
nos motores do navio), 13 dias em vez de 8. Finalmente, chegámos no dia 21 de
maio de 1969, ao porto de Luanda.
Salão
de refeições de graduados no Uíge - F. Santos ao centro
Ao
pisarmos terra firme em Luanda, voltamos a cambalear, não sabia que isso
poderia acontecer depois duma longa viagem de barco. Fomos levados para o
Grafanil, pernoitamos debaixo duns telheiros que tinham umas estruturas de
cimento com mais ou menos um metro de altura. Dormimos em cima dessa estrutura,
nessa noite, antes de seguirmos para as instalações reservadas ao batalhão.
Cidade
de Luanda, anos 1969/1971
No dia 23 de maio de 1969, sábado, como a maioria dos militares, os sargentos (onde se incluíam os furriéis) e oficiais, rumei à cidade de Luanda, no machibombo militar (autocarro), as praças eram transportadas em berliets ou de boleia, jantei num restaurante de Luanda (não me lembro se na Floresta se no Polo Norte), ao entrar na esplanada da "Cervejaria Portugália"(ponto de encontro de muitos militares portugueses), ao passar por uma mesa, senti uma mão a agarrar-me o braço, era o Abel, 1º cabo especialista da Força Aérea Portuguesa! Perguntei-lhe se o destino dele tinha mudado para Angola, disse-me que não, que estava ali em trânsito, tinha vindo de avião e que partia no dia seguinte para Moçambique. Bebemos umas cervejas, conversamos e a determinada altura estendeu-me um subscrito e disse-me: "isto é para ti, pensava em escrever-te de Moçambique, mas entrego-to já". Abri o envelope e encontrei no interior a foto do barco na partida, perguntei-lhe: "o que é isto?", - ele respondeu-me: "é a fotografia do barco onde vieste, eu estava no cais nesse dia" (primeira foto do testemunho).
Voltei a encontrar o Abel em 1971, no regresso da guerra, continuamos amigos até hoje.
Outras Fotos do embarque cedidas pelo ex-furriel Miliciano da CCS, Adelino Brandão.
F. Santos - Memórias de Angola
12 de janeiro de 2018