domingo, 3 de junho de 2018

O dia em que aprendi a nadar...

(Pego do Morgado / Pego da Torre, na Ribeira do Arade)

A ribeira do Arade / rio Arade, nasce na serra do Caldeirão, recomeça o seu curso na Barragem do Arade, passa por Silves e desagua no Oceano Atlântico, entre Ferragudo, no concelho de Lagoa, e Praia da Rocha, no concelho de Portimão. Outrora navegável até Silves, onde existia um importante porto. Hoje, devido ao assoreamento, apenas é navegável entre Silves e Portimão por pequenos barcos, sendo Portimão, atualmente, o grande porto do Arade.

Barragem do Arade / nascente da rio Arade

Foz do Rio Arade - Portimão

Há vários locais nesta ribeira / rio que frequentei durante o tempo de juventude, até mais ou menos aos 17 anos (Foz da Ribeira do Enxerim, Nogueira, Levada, Rocha Branca e Ilha),  mas nesta história vou reportar-me à ribeira entre a Ponte de Santo Estévão e as passadeiras antes da Fonte Figueira, que davam acesso ao caminho que nos levava à Norinha.

Neste curso de água havia vários pegos, onde os rapazes tomavam banho. Foi aqui que terão sido inventadas as praias do "nudismo", passe a brincadeira. Destes pegos quero destacar o "Pego do Morgado", nome porque o conhecíamos por se situar mesmo em frente da esquina da horta do morgado de Santo Estévão,  também conhecido por "Pego da Torre". Distava mais ou menos 1 km da Ponte de Santo Estevão em direção à nascente. Entre o pego e ponte era apenas uma corrente onde crescia muita atabúa.

Um pego da Ribeira do Arade

Neste pego juntavam-se os miúdos entre os 7 e os 12 / 13 anos, de vários locais da charneca de Torre e Cercas, Santo Estévão e Pedreira. Aqui aprenderam a nadar muitos amigos da escola primária da Fonte Figueira na década de 50, eu, o Zé Joaquim Simões, o meu primo Vítor Simões, o Zé Sequeira Martins, o Joaquim Sequeira Martins, o Domingos Caetano, o Fernando Sequeira, o Zeferino, o Zé Domingos e muitos mais que a memória não consegue recordar.

Na margem direita, do lado norte, havia uma barreira de onde mergulhávamos, na margem esquerda, do lado sul, era a parte mais baixa onde tomavam banho os que ainda não sabiam nadar. Certo dia, tinha eu uns 7 anos, encontravam-se muitos destes amigos, que mencionei, a veranear: os mais velhos já  nadavam; os mais novos como eu ainda só íamos com a água até aos joelhos; nesse dia eu, o meu primo Vítor e outros amigos cortámos atabúa e construímos molhos ("jangadas"), que atámos com junco; eu e o meu primo, fretámos um desses molhos, com ele na frente e eu atrás; ao atingirmos o meio do pego a "jangada" começou a desagregar-se e a perder parte da atabúa; o meu primo saltou e ficou num sítio onde tinha pé; eu agarrei-me ao que restava da "jangada", quase desfeita, que se dirigia para a parte mais funda, não restava quase nada; nessa altura venci o medo, mergulhei  com a cabeça debaixo de água, dei algumas braçadas e cheguei até à margem. Sentei-me, quase sem folgo, fixei o olhar no pego como uma estátua, nisto pensei, eu consegui chegar até aqui, se mergulhar da barreira, consigo atravessar o pego a nadar debaixo de água. Experimentei com sucesso. Não sei quantas vezes repeti, mas terão sido imensas, porque acabei por ficar sozinho até ao pôr do sol e já nadava à superfície.

Corri para casa, passei pelo "Palmeiral", pelo "forno da cal", encosta acima, cheguei a casa cansado, já o sol tinha desaparecido e a noite fazia a sua aparição. Ia numa grande euforia para contar a toda a gente o meu feito. Já sabia nadar, mas tive azar, ao primeiro que encontrei e manifestei a minha alegria pela proeza, o meu pai, apanhei logo uma bofetada, por ter chegado tão tarde. Não contei a mais ninguém.

Terá sido assim que aprendi a nadar

Nessa noite, ao jantar, amuei:  sentado à mesa, não comia, a minha mãe dizia: "come Fernando! Porque não comes?" Eu com a cabeça baixa ia dizendo com voz muito sumida: "não tenho fome". Deitei-me sem jantar e chorei até adormecer.

Fotos da NET sem autoria conhecida
F. Santos - Memórias de infância
17 de abril de 2018 

1 comentário:

  1. São memórias boas, apesar das contrariedades. Conheci bem Ferragudo mas já numa fase adulta.

    Abraço

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