Foto 1 - Vagomestre |
Os dias passavam tranquilos, jogávamos futebol, pescávamos e nadávamos no
rio Dange (nadar, poucas vezes, o rio estava infestado de crocodilos, e era
necessário atirar uma granada, para a água, para os afugentar), ouvíamos música
e tínhamos de vez em quando aulas de karaté, com o camarada Merca, que em vão
persistia em nos fazer “karatecas”, podemos afirmar que tínhamos ganho
uma estabilidade emocional perfeita e que nada nos poderia perturbar. Mas
naquele dia à tarde depois de termos preparado as ementas para o dia seguinte,
distribuído cópias para o 1º cabo fiel do armazém de géneros alimentícios e
para o 1º cabo cozinheiro, encontrávamo-nos na secretaria da companhia,
atualizando as fichas de existências e conferindo os mapas de receitas e
despesas para remeter à Manutenção Militar em Luanda, quando fomos abordados
pelo impedido do Comandante de Companhia, que se nos dirigiu dizendo: “o
nosso Capitão quer falar com o meu Furriel”.
Pelo caminho que nos levava ao posto de comando da
companhia, já tínhamos uma leve desconfiança sobre o que significava aquela
informal convocatória, recordamos então, as refeições servidas na Fazenda Maria
Fernanda, que repetidamente constavam de salsichas com arroz, atum com
feijão-frade, dobrada e chouriço com feijão encarnado e pouco mais. De facto o
pessoal da companhia nesse período não tinha tido uma alimentação equilibrada,
e, o aspeto dos camaradas, não era o melhor, como se pode ver pela foto de
oficiais e sargentos (foto 2), o próprio comandante de companhia frequentemente
se queixava de uma doença intestinal que a alimentação servida, vinha agravar.
Tinha havido também o incidente da falta do tabuleiro no 1º acampamento do
Dange, pensávamos, no entanto, que haveria, certamente, atenuantes para este
estado de coisas.
Foto 2 - Oficiais e Sargentos da C. Caç. 2505 |
Foi com estes pensamentos que chegamos ao posto de
comando, onde se encontrava o nosso comandante de companhia, atrás duma
secretária, e, depois de cumpridas as formalidades, com os cumprimentes
oficiais obrigatórios, entre hierarquias, disse: “Santos! Tomei uma decisão”,
ouvíamos, calados, esperando com curiosidade e alguma desconfiança, saber que
decisão seria essa, o comandante da companhia continuou: “o pessoal está mal
alimentado, as coisas não parecem ter tendência a melhorar e a partir de hoje o
Santos deixa de ser vagomestre e passa a operacional, vai juntar-se ao 3º
pelotão, em troca com o furriel Seguro”, depois de ouvida a sentença, que não
foi totalmente inesperada, e, sempre em silêncio, acatámo-la com resignação.
Foi desta forma simples, que o Vagomestre foi “promovido” a comandante da secção de armas pesadas.
Foi desta forma simples, que o Vagomestre foi “promovido” a comandante da secção de armas pesadas.
Foto 3 - Equipamento para o desempenho da nova função |
F. Santos - Memórias de Angola
domingo, 3 de março de 2013
domingo, 3 de março de 2013
PS. Agora na primeira pessoa: Não recordo como passei o resto do dia, provavelmente, afogando as mágoas, em muito uísque, confidenciei nesse dia a uma “amiga”, por correspondência, que ainda hoje guarda: “Hoje não foi um dia bom, nem tudo correu bem, nada de preocupante, apenas mudei de funções contra a minha vontade… foi injusto, vamos ter fé, o tempo me dará razão…”
FS.
Lembro-me que na altura, referi que não tinha qualquer tipo de experiencia na função, ao que o Comandante de Companhia me garantiu, que tanto ele como o 1º Sargento me ajudariam a cumprir a missão. Não havia outra saída que não fosse acatar a ordem e aceitar a decisão por ele tomada, não sabendo como não sabia até aos dias de hoje, o motivo que estava na origem daquela tomada de posição.
Desde os primeiros tempos, percebi que não iria conseguir levar o barco a bom porto e a ajuda prometida, nunca chegou. Para agravar a situação, o pessoal que estava fora do acampamento, no regresso teve um acidente com uma BERLIET, o Comandante da Companhia que também seguia na coluna, partiu a bacia e teve que ser evacuado para o Hospital Militar em Luanda, onde ficou internado durante algum tempo, enquanto no acampamento as coisas iam-se agravando progressivamente; entretanto o comando da Companhia, foi entregue ao alferes mais antigo que de administração militar, percebia tanto ou menos que eu.
Lembro-me de participar como voluntário, numa operação militar de 3 dias, para me sentir mais na pele do personagem para que fui treinado, (Recebi instrução para matar e principalmente para não ser morto), e nunca tive qualquer dica sobre administração.
Em Dezembro de 1969, com a vinda da Companhia para Luanda foi feita a entrega dos viveres restantes na Manutenção Militar, tendo-se verificado haver um défice, de certo modo avultado o qual devido à minha inexperiência nestes meandros e alguma ingenuidade, foi por mim assumido integralmente.
Entretanto no Continente, os meus falecidos pais contactaram pessoas que na altura eram bastante influentes e o assunto chegou ao Ministro da Defesa, que logo mandou arquivar o auto que entretanto me foi levantado, sem qualquer procedimento criminal ou disciplinar e deu ordens para que fosse imediatamente retirado das funções de vagomestre o que efetivamente veio a acontecer.
Canas Seguro
Comentário do ex-Furriel Seguro
FURRIEL
DE ARMAS PESADAS “PROMOVIDO” A VAGOMESTRE
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Tal como o Santos diz e muito bem, tínhamos adquirido dentro da Companhia, uma estabilidade emocional e, nada fazia prever que algo se passaria, que iria perturbar essa mesma estabilidade. De igual modo, como aconteceu ao Santos, também eu fui chamado ao Comando da Companhia, onde o Comandante na presença do 1º Sargento da Companhia, me disse que eu iria assumir as funções de Vagomestre por troca com o Furriel Santos, que iria ocupar o meu lugar no 3º Pelotão, ou seja mandou-se um médico construir um prédio para depois mandar um pedreiro, fazer uma operação ao apêndice de um doente.
Tal como o Santos diz e muito bem, tínhamos adquirido dentro da Companhia, uma estabilidade emocional e, nada fazia prever que algo se passaria, que iria perturbar essa mesma estabilidade. De igual modo, como aconteceu ao Santos, também eu fui chamado ao Comando da Companhia, onde o Comandante na presença do 1º Sargento da Companhia, me disse que eu iria assumir as funções de Vagomestre por troca com o Furriel Santos, que iria ocupar o meu lugar no 3º Pelotão, ou seja mandou-se um médico construir um prédio para depois mandar um pedreiro, fazer uma operação ao apêndice de um doente.
Lembro-me que na altura, referi que não tinha qualquer tipo de experiencia na função, ao que o Comandante de Companhia me garantiu, que tanto ele como o 1º Sargento me ajudariam a cumprir a missão. Não havia outra saída que não fosse acatar a ordem e aceitar a decisão por ele tomada, não sabendo como não sabia até aos dias de hoje, o motivo que estava na origem daquela tomada de posição.
Desde os primeiros tempos, percebi que não iria conseguir levar o barco a bom porto e a ajuda prometida, nunca chegou. Para agravar a situação, o pessoal que estava fora do acampamento, no regresso teve um acidente com uma BERLIET, o Comandante da Companhia que também seguia na coluna, partiu a bacia e teve que ser evacuado para o Hospital Militar em Luanda, onde ficou internado durante algum tempo, enquanto no acampamento as coisas iam-se agravando progressivamente; entretanto o comando da Companhia, foi entregue ao alferes mais antigo que de administração militar, percebia tanto ou menos que eu.
Lembro-me de participar como voluntário, numa operação militar de 3 dias, para me sentir mais na pele do personagem para que fui treinado, (Recebi instrução para matar e principalmente para não ser morto), e nunca tive qualquer dica sobre administração.
Em Dezembro de 1969, com a vinda da Companhia para Luanda foi feita a entrega dos viveres restantes na Manutenção Militar, tendo-se verificado haver um défice, de certo modo avultado o qual devido à minha inexperiência nestes meandros e alguma ingenuidade, foi por mim assumido integralmente.
Entretanto no Continente, os meus falecidos pais contactaram pessoas que na altura eram bastante influentes e o assunto chegou ao Ministro da Defesa, que logo mandou arquivar o auto que entretanto me foi levantado, sem qualquer procedimento criminal ou disciplinar e deu ordens para que fosse imediatamente retirado das funções de vagomestre o que efetivamente veio a acontecer.
Canas Seguro
E eu acumulei a secção que era minha de Armas pesadas com a de atirador, mas ainda bem porque eu não gostava de andar ao lado do condutor do jeep com a Breda montada. Por cá passei por Sargento do Rancho sem instrução para tal, a pedido de um nosso ilustre patrício que era o comandante do quartel, quando um Capitão me mandou olhar caldeiro e lhe dizer quantas refeições estavam lá dentro e eu lhe disse que não fazia ideia ele se ia passando, não sabia que eu era de armas pesadas
ResponderEliminarFurriel Vagomestre destacado para operacional? Só por questões disciplinares ou então por solicitação. Assisti a uma situação idêntica e o comandante não conseguiu por contestação.
ResponderEliminarNão se pode comentar esta situação sem o conhecimento do que aconteceu. Foi exatamente como o descrito pelo Vagomestre, como pelo camarada que o substituiu. Portanto nem foi por questões disciplinares nem a seu pedido.
EliminarCoisas que aconteceram na guerra injustas.
ResponderEliminarJá agora conto uma que tem a ver também com cozinha o cozinheiro todos os dia acendia o lume com petróleo com o panelão lá em cima escusado será que o comer sabia a petróleo além de que também se passava uma coisa parecida com o que o furriel vagomestre contou, a malta começou a pensar fazer um levantamento de rancho mas eu não sabia de nada era de transmissões e muito pouco ia ao refeitório ,feito o respectivo levantamento que soube no próprio dia tinha estado de serviço ao posto de rádio dirigia-me ao refeitório vinha tudo para cá e disseram-me hoje ninguém come eu voltei para trás , o capitão comandante da companhia meteu na cabeça que quem tinha começado e instigado foi os das transmissões o que não era vberdade mas o homem assim penssou ,veio o ordenança isto um dia ou dois depois e disse-me o capitão quer falar contigo calculei que seria por isso entretanto estava cá fora com um bingalim e eu do posto de rádio estava a vê-lo pensei se ele me bate com aquilo jogo-me a ele com o cinturão. Diálogo : ele : porque não foste comer Eu : meu capitão eu raramente vou almoçar ao refeitório Ele : os gajos das transmissões têm a mania que são espertos olhou um bocado para mim mandou-me embora.
Boa história camarada! Um abraço
EliminarMuito se tem escrito por "analistas" encartados sobre guerra em África mas sobre estas páginas negras - e serão milhares - faz-se silêncio como se nós ex-combatentes tivéssemos sido ingratos para quem nos proporcionou 2 anos de férias num resort africano
ResponderEliminarNa minha companhia aconteceu igual. Fui cabo condutor, fiz parte da comissão do rancho, os problemas foram iguais.
ResponderEliminarA forma encontrada para aliviar o défice
Havia capitães que tinham comportamentos a roçar o ditatorial. Assim, achavam-se com direitos de livre arbítrio. No meu batalhão um capitão ameaçou o seu vagomestre com propósito idêntico, felizmente ficou por aí. Tempos outros em que pensavam ser donos do mundo. Hoje, convencidos do nada que eram
ResponderEliminarFaz,depois de amanhã anos que a minha companhia,Cart 7250 chegou a Canxixe,Moçambique.Eu,era o vague mestre.O meu antecessor,grande filho da put@, aldrabou-me ao passar o inventário do depósito de gêneros,com umas latas de cavala por atum e mais não sei o quê..Quando,passado um mês fomos fazer o balanço,havia um déficit enorme ! Chamado ao Cmte da Companhia .- António,se isto no próximo mês,não estiver regularizado,vai para o mato !Estou tramado,pensei.Falei como cabo cozinheiro,o saudoso Mergulhão-- Não te preocupes,disse ele.Nessa mesma noite,fomos ao depósito de gêneros e,misturámos
ResponderEliminaro òleo,7.50 Esc,com o azeite,25.00Esc, e transformámos tudo em azeite. Resultado,no mês seguinte,ao fazer as contas,havia um lucro substancial ! O Capitão,ficou desconfiado mas,ou não tinha provas da falcatrua,ou era,para ele conveniente ! Isto,apesar de a malta se queixar que o azeite não prestava...!Temos pena,mas,para o mato ?
Eu, Primeiro Cabo Aux. De Enfermeiro na Guiné em 1973, fui chamado ao Cté. Da Companhia que me informou de que passaria por algum tempo a substituir o bagomestre que ia de férias.
ResponderEliminarBem lhe disse que não tinha competência para tal, tendo dito que o bagomestre me explicaria, embora eu não fosse obrigado a aceitar, que ficaria durante uns tempos dispensado de sair com o meu grupo de combate, apenas faria as colunas de reabastecimento.
Aceitei, mas para meu azar o Capitão também foi para Portugal em estágio.
O Alferes que o substituía, quase todos os dias tinha a amabilidade de alterar as ementas por mim apresentadas pedindo-me para substituir por outras bem mais caras.
No regresso do Capitão, claro,elevado déficit,ameaçando castigar-me com mais uma comissão para pagar o prejuízo.
Valeu-me o Primeiro Sargento, que lhe disse que eu obedeci ao superior embora o devesse recusar e que a solução seria eu continuar a exercer a função e que iria recuperar as contas.
Sorte a minha, fiquei assim até final da comissão e como passado pouco tempo, para efeitos operacionais tínhamos mais uma Companhia a alimentar, rapidamente as contas passaram de negativas para positivas.